(IFFR2022) O pássaro de prata e o peixe arco-íris
COBERTURA DO FESTIVAL DE CINEMA DE ROTERDÃ (IFFR2022)
O PÁSSARO DE PRATA E O PEIXE ARCO-ÍRIS
Silver Bird and
Rainbow Fish
de Lei Lei (EUA, 2022, 104 min)
Mostra Tiger Competition
O realizador chinês Lei Lei
conversa com seu pai sobre as dificuldades de sua família, como teve que cuidar
da irmã e da mãe doente, enquanto seu pai ficou confinado como preso político
na China nos anos 1960 por sua atividade contestatória ao regime. O enorme
drama dessa família partida do interior da China é revelado por meio de uma longa
conversa entre pai e filho, gravada de forma informal, muito distante de uma
entrevista, pelo tom afetivo impresso nas declarações. Por meio dos recursos do
documentário em primeira pessoa, somos apresentados a um outro lado da história
oficial chinesa, vista pelo lado dos oprimidos pelo regime autoritário.
No entanto, a conversa familiar nos
é revelada apenas pelo áudio. Em nenhum momento, vemos as imagens filmadas
desse encontro tão íntimo. Ao mesmo tempo, como é possível mostrar em imagens a
dor desse tempo passado, uma vez que poucos materiais sobreviveram? Assim, Lei
Lei compõe a banda visual por meio de uma criativa recriação do ambiente dos
acontecimentos, por meio da combinação de dois elementos. Com base em
fotografias de época, mantidas pela família, o realizador promove
interferências nesse registro real, por meio de colagens ou mesmo de recursos
técnicos do cinema de animação. As interferências coloridas oferecem um
contraste às fotografias de época em preto-e-branco, e inserem um certo aspecto
lúdico infantil, como um resgate à possibilidade de vida e beleza mesmo diante
das condições tão trágicas.
Em certa medida, os recursos de
Lei Lei nos fazem lembrar das opções de Rithy Panh em A imagem que falta (2013). Nesse filme, o cineasta recria seu
cotidiano num campo de trabalho forçado no Camboja sob o regime ditatorial de
Pol Pot por meio de bonecos de argila, uma vez que as imagens que sobreviveram
foram as fabricadas pelo próprio regime, não correspondendo às memórias
afetivas por parte do realizador (ver aqui).
Assim, o documentário em
primeira pessoa de Lei Lei assume um tom criativo, pois escapa dos
procedimentos mais imediatos do cinema em primeira pessoa, encontrando uma
expressão lúdica para resgatar os trágicos acontecimentos do seu passado
familiar, por meio de um entrecruzamento entre as imagens documentais (as
fotografias), o testemunho oral (sem imagens) e o cinema de animação,
especialmente composto por bonecos de massinha colorida animados. O tom
colorido remete ao universo infantil, colocando de certa forma a perspectiva do
pai do realizador, uma criança à época dos acontecimentos, mas também trata-se
de um gesto, assim como o filme de Panh, que promove a sobrevivência do afeto e
da sensibilidade mesmo diante das situações tão trágicas.
Talvez falte ao filme de Lei a
maestria e a pungência do filme de Rithy Panh para dar corpo a esse tão potente
projeto cinematográfico. Em certo momento, os recursos parecem se esgotar, e a
montagem não consegue desenvolver as relações entre as camadas de imagem e a
banda sonora de forma mais potente. Assim, ao final, faltou mais consistência
ao projeto cinematográfico do realizador para provocar um impacto mais
duradouro no espectador. De todo modo, é digno de interesse o projeto do filme
de jogar luz sobre outras trajetórias na China comunista a partir de um drama
familiar, retratado com delicadeza e utilizando de forma criativa os recursos
do documentário em primeira pessoa.
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