(IFFR2022) Monte Fuji visto de um trem em movimento
COBERTURA DO FESTIVAL DE CINEMA DE ROTERDÃ (IFFR2022)
MONTE FUJI VISTO DE UM TREM EM MOVIMENTO
(LE MONT FUJI VU D'UN
TRAIN EN MARCHE)
de Pierre Hébert (Canada, 2021, 81 min)
Mostra Harbour
Realizado pelo veterano animador
canadense Pierre Hébert, com uma longa trajetória em um país com forte tradição
na animação autoral, Monte Fuji visto de
um trem em movimento é uma espécie de filme-diário com base em duas viagens
do realizador ao Japão, em 2003 e 2018. A base para o título é uma espécie de
homenagem ao cinema experimental de Robert Breer e seu filme Fuji (1974), que pode ser visto aqui. De forma
análoga a Breer, Hébert procurou expressar, de forma impressionista, os
impactos da cultura japonesa a um visitante distante, por meio de uma
representação abstrata de uma visão do tradicional Monte Fuji visto de uma
janela de um trem em movimento. O filme também dialoga com as dezenas de
gravuras de Hokusai, clássico artista japonês, sobre o Monte Fuji, uma espécie
de símbolo da cultura tradicional nipônica.
A partir desse mote, é
interessante como Hébert, especialmente na parte inicial do filme, cria um
filme abstrato, em que riscos brancos na imagem em fundo preto (“arranhões na
película virgem” adaptados ao cinema digital), inserem uma cadência de
movimento que remete ao movimento do trem, combinado, de forma criativa, com
recursos sonoros que amplificam essa relação sensorial por meio de um
encadeamento rítmico criativo entre som e imagem. As intervenções de Hébert nas
imagens com desenhos abstratos conferindo ritmo ao filme acabam sendo os mais
potentes momentos do filme, quando se entrega totalmente ao seu desejo de
cinema abstrato.
No entanto, quando Hébert passa
a filmar o seu cotidiano no Japão, por meio dos recursos do cinema-diário, seu
filme perde um pouco o interesse. É interessante o aspecto comum com que Hébert
filma os acontecimentos. No entanto, seu olhar se aproxima muito de um turista
que registra os aspectos mais imediatos de como a cidade se apresenta a ele. O
filme, portanto, se satisfaz com uma certa camada muito superficial da
sociedade japonesa, como planos de lugares turísticos e feiras e praças de
alimentação com apresentações mais tradicionais, sem uma imersão mais complexa
em outros espaços de representação menos midiatizados para o turista
convencional.
Em determinado momento, Hébert
propõe uma parceria com o artista Teita Iwabuchi, que desenvolve performances,
em que seu corpo se coloca em movimento, especialmente em espaços públicos como
o Peace Park e o Ground Zero, em cidades tragicamente afetadas pela guerra,
como Fukushima e Nagasaki. Assim, essa fluidez da vida contemporânea é
contrabalançada pela memória do passado, por meio de uma recriação poética.
De todo modo, Monte Fuji é um criativo encontro entre
o filme-diário caseiro e o cinema de animação, realizado por um autor de larga
trajetória na animação canadense, que revela, de forma original, esse encontro
de culturas entre o Ocidente e o Oriente, realizado a partir de uma poética
prosaica, interessada pelos pequenos movimentos do mundo.
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