MEU PAI
MEU PAI
de Florian Zeller
Não
é surpreendente descobrir, após a exibição, que MEU PAI é baseado numa peça de
teatro. Talvez o seja descobrir que se trata de uma peça do próprio realizador
e que é o primeiro filme de Florian Zeller. A referência teatral – melhor dizendo
ao “teatro clássico” – é quase explícita em dois aspectos: o primeiro é que as
situações do roteiro todas se resolvem de maneira verbal, e a segunda é que o
filme aposta na composição da cenografia como principal elemento cênico. MEU
PAI é praticamente todo filmado em interiores, claramente em estúdio. Não há
nenhum desejo ou qualquer vestígio documental: a aparência límpida de
transparência do filme se revela por cenários meticulosamente compostos. A
cenografia possui um efeito dramatúrgico importante, visto que a ação se passa
em dois apartamentos em que se propõe uma certa confusão e paralelismo entre
onde se passa a ação. Ainda que o filme mostre um homem que definhe, a
iluminação prossegue quase sem alterações, numa luz clássica de três pontos
quase teatral ou televisiva.
MEU
PAI acompanha o processo de definhamento de um velho senhor vítima de
Alzheimer. Basicamente o filme se concentra na relação desse homem com sua
filha: ela precisa cuidar do pai, mas também prosseguir sua vida com seu novo
companheiro. Ele, por sua vez, não facilita a relação. Seu jeito turrão afasta
possíveis cuidadoras e o filme explora a relação não sem tensões entre pai e
filha. O roteiro, desenvolvido pelo próprio dramaturgo-escritor, tem muitas
virtudes do ponto de vista literário: possui uma abordagem seca que evita o
melodrama, ou ainda, a revisitação nostálgica ou melancólica do passado, os
flashbacks da vida feliz com a família quando se estava são, etc. Poucas
informações nos vêm do passado do personagem.
Ainda,
a maior virtude do roteiro é que o filme mergulha no estado de confusão mental
do protagonista, de modo que as sequências propõem um certo embaralhamento das
situações. Nesse ponto de vista, a montagem e a cenografia são os dois
elementos que propõem esse paralelismo entre as cenas e situações.
Fora
isso, o filme prossegue de forma absolutamente linear, com sua fleuma
britânica, assim como os personagens. É incrível como, sendo francês, Zeller
realiza um filme que expõe de forma muito clara um modo de ser absolutamente
britânico. Não apenas pelo modo extremamente formal como as personagens se
relacionam entre si, mas pela sua forma pragmática de ver o mundo e o cinema.
Todo passado em interiores, MEU PAI pouco demonstra interesse por algo que
pulse para fora do apartamento – há alguns planos em que o protagonista olha
por uma janela, mas é só. O mundo ou a sociedade, se existem, não estão sequer
no extracampo – as ambiências sonoras de todo o filme são discretas, em tom
meramente descritivo, compostos para não atrapalhar a audição da voz dos atores
– o que parece ser o mais importante.
Essa
precisão discreta pode ser vista por alguns como um acerto. Em seu primeiro
filme, com um tema humano delicado, Zeller não promove exageros, segura o
melodrama, e entrega tudo para o trunfo de seu filme: o trabalho extraordinário
dos atores, em especial, o pai, interpretado pelo antológico Anthony Hopkins, e
a filha, tão igualmente complexa por Olivia Colman.
No
entanto, o que me frustra em MEU PAI é que, para além de um exercício delicado,
sem excessos e muito bem realizado, o filme gira em torno de clichês em torno
da doença, cuidadosamente orquestrados para gerar nossa comoção. A economia de
MEU PAI revela um produto artístico excessivamente controlado para gerar
efeitos a partir da palavra e dos atores. Do ponto de vista cinematográfico,
MEU PAI, é bastante convencional, praticamente acadêmico. MEU PAI pode gerar
interesse pela forma como o filme propõe a reorganização dos blocos de
sequências, criando uma espécie de estado de confusão mental. No entanto, mesmo
as indefinições de espaço-tempo, segundo o estado psíquico do protagonista, são
desenvolvidas a partir de paralelismos que no final acabam sempre situando o
espectador num certo estado de conforto.
Assim,
não há movimento em MEU PAI. Por isso, me parece extremamente curioso que num
filme tão imóvel, que acompanha de forma tão equilibrada o desequilíbrio de um
personagem, seu último plano seja um movimento de câmera que sai do quarto e se
desloque para uma janela, rompendo as bordas do quadro e terminando com as folhas
das árvores que se agitam pelo vento. Esse movimento em direção à natureza
talvez seja o único movimento que demonstre um desejo cinematográfico em todo o
filme, mas, a essa altura, post-mortem, soa não só falso mas meramente
retórico. Esse final me fez pensar muito em um filme de Guiguet, O TEATRO DAS
MATÉRIAS, em que o último plano do filme também mostra a câmera que se desloca
para uma janela, mas a visão não é de uma paisagem mas sim de um bloco de
concreto. A comparação é curiosa, e poderia se estender, visto que Guiguet
realiza um filme sobre uma trupe de teatro, mas que escapa complemente do que
poderia nos parecer teatral. O teatro (a arte) para Guiguet é uma forma de nos
fazer compreender nossa potência e nosso fracasso diante do mundo, em como são
belos os nossos mesquinhos desejos e frustrações. Já para Zeller, o teatro nunca
está enunciado, mas deve ser ocultado, como uma forma transparente para encapsular
o filme numa lógica do controle. Teatro clássico em torno de um tema nobre, com
grandes interpretações, narrado com delicadeza e eficiência, para a comoção das
plateias burguesas de pretensa sofisticação.
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