JODERISMO

JODERISMO
de Marcus Curvelo



Em JODERISMO, Marcus Curvelo dá continuidade à sua caligrafia muito singular no panorama do cinema brasileiro contemporâneo. A partir de seu personagem Joder, interpretado pelo próprio diretor, Curvelo dá vazão às angústias da juventude brasileira, sua falta de ideais, sua desilusão e especialmente suas contradições. Em seus últimos trabalhos, especialmente no incrível Mamata (2017), Curvelo conseguiu combinar os artifícios de um cinema voltado a investigar os dilemas individuais de um personagem, utilizando elementos de um cinema caseiro quase em primeira pessoa, com a análise de um panorama social de uma condição de classe. A contribuição do cinema de Curvelo reside justamente em como seus filmes propõem, a partir de um olhar íntimo para as carências de um personagem individual, um certo exame das contradições e dos impasses de uma certa classe média brasileira. A crise individual do personagem acaba sendo um sintoma de uma crise maior – essa juventude sem rumo, que acaba se aproximando, quase meio “sem querer querendo”, para os rumos da direita conservadora e autoritária. Se, em seus primeiros filmes, como Feio, velho e ruim (2015), Joder era apenas um indivíduo solitário, quase um alter ego do próprio realizador, em Joderismo, o acréscimo do sufixo ismo sugere essa passagem cada vez mais consciente do indivíduo para a sociedade. Joder, portanto, passa a ser não apenas ele mesmo, mas um sintoma que acomete uma certa classe. Esse personagem – esse homem branco de classe média – é um privilegiado, que passa a expressar suas contradições. Ele tenta curar uma espécie de doença que não consegue ser bem diagnosticada. Ele tenta lidar com seu mal-estar, com essa malaise, indo ao médico, fazendo exercícios físicos, procurando um trabalho, xingando sua ex-namorada, viajando e bebendo. Soa solidão, seu exílio voluntário, a distância da família que ele tenta suprir pelo Skype ou pelo whatsapp, a relação de amor e ódio com sua ex-namorada, o trânsito entre Brasília e Salvador (e sua inadequação diante das duas cidades) – são todos elementos que possuem um paralelo com os próprios rumos pessoais de Marcus Curvelo, mas aqui se veem transformados nesse personagem um tanto escroto, com quem o espectador se identifica e ao mesmo tempo rechaça. A crise desse personagem talvez seja a crise da própria esquerda brasileira, como sugerida num plano em que a famosa música da campanha eleitoral de Lula em 1989 (Lula-lá) é ouvida em câmera lenta, com um sol de arquivo desbotado. Talvez Joder não seja o inimigo, como ele mesmo diz para sua ex-namorada, cujo rosto nunca é mostrado – vemos apenas Joder durante todo o filme. Mas o egoísmo de Joder reflete esse personagem jovem de classe média completamente solitário, que não se adapta ou adere a nenhum grupo. Flanando em deriva entre sequências de seu filme, como esquetes autônomas, Joder(ismo) vagueia entre o humor e o drama, entre a vontade de colocar sua vida em movimento e sua incapacidade de amar. Talvez Joder não seja o inimigo – mas há nele um potencial de transformar-se em um.


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