(notas)
O ponto central de BIG JATO é uma frase falada lá no meio do
filme "sertanejo forte é aquele que parte, não o que fica”. Fico na dúvida
da potência dessa frase. Penso em pessoas que ficam e são fortes por isso:
penso no (extraordinário) final do curta de Lucas Sá NO INTERIOR DA MINHA MÃE,
penso na luta de Adirley Queirós em afirmar um espaço de resistência na
Ceilândia. Penso na tensão nos curtas de Leo Mouramateus entre o desejo de
ficar e de partir. O desafio de um cinema contemporâneo é buscar entender sem
julgar, ou mostrar antes de narrar. Olhar com mais curiosidade para o outro.
Esse desejo de fuga e de condenação do atraso do interior me incomodam em BIG
JATO pois tenho dúvida se a fuga ou a saída por si só já são a solução. Mesmo O
CEU DE SUELY vai colocar mais camadas entre esse desejo de fuga, de comprar a
passagem para o lugar mais longe do mundo, e a efetiva possibilidade de sair.
* * *
Jodorowsky em A DANÇA DA REALIDADE:
Só o amor (e o autoconhecimento) suplantam o ódio.
Não há fuga possível de si mesmo. Onde quer que você vá você
continua diante de si mesmo.
O pai de Jodo sai em busca de vingança e no final reconhece
seu lugar ao voltar para casa.
* * *
A fuga pela fuga não é solução de nada.
Não existe mais hoje essa dualidade entre centro e periferia
dos anos sessenta. Não dá para falar do Nordeste como se ainda estivéssemos na época
de Aruanda ou de Viramundo.
A dinâmica social e econômica do Nordeste do país se tornou
complexa e rica. Há muitas cidades do interior que se tornaram cidades médias
(grandes), como Caruaru, Campina Grande, Feira de Santana, Vitória da
Conquista, Juazeiro do Norte, etc.
O acesso à internet mudou o panorama da fonte de informação
para a juventude, que não ficou mais restrita à televisão.
A rádio (único espaço de criação) não comunica, é uma ilha. Então,
é melhor partir. Mas por que não comunica? Por causa meramente da ignorância do
outro? Como é possível criar as condições para que a voz do rádio possa ser
ouvida, para que possa ser plantada uma semente?
* * *
O que é o "cinema poético"? Aquele em que cada
plano, cada elemento quer apontar para o espectador para a presença de um
"sentimento poético de suspensão"? Poesia me parece ser apreender o
mundo e o melhor cinema poético é aquele que evita ao máximo a explicitação do
poético.
Assim sendo, depois de uma avalanche de filmes brasileiros
(uma curadoria, um festival de cinema, etc), o mais poético filme que assisti
nos últimos tempos é um modesto filme B: IT FOLLOWS. A poesia do filme está na
aposta absoluta do diretor por um projeto de ingenuidade, por um projeto de
anacronismo - IT FOLLOWS é um filme juvenil dos anos oitenta (não é, mas é como
se fosse). IT FOLLOWS, esse filme de terror absurdamente poético, é comovente,
pois é uma tentativa de purificação do cinema de gênero. Purificar - essa é a melhor palavra que encontro para tentar
traduzir a frontalidade com que o filme encena seus vazios, suas solidões, como
abraça seus personagens jovens, e em como traduz visualmente esses desafios numa distância precisa, ética, moral e
humana. Essa é a liberdade de IT FOLLOWS e daí emana seu projeto de poesia.
Em IT FOLLOWS os personagens também partem (o filme é uma lúgubre
despedida), mas com a certeza de que não vão a lugar algum para além deles
mesmos.
Comentários