Um jovem poeta, de Damien Manivel



Um jovem poeta, de Damien Manivel

Podemos começar a falar sobre o belo um jovem poeta, de Damien Manivel, pelas palavras "poeta" e "jovem". Que poeta é esse, mas antes disso, que poesia é essa a proposta pelo filme? Sua principal virtude é que, para falar da poesia, o filme abandona tudo o que venha berrar ou gritar para o espectador o que possa ver visto como "essencialmente poético": o filme não possui "imagens poéticas", "tempos poéticos", ou qualquer adereço que nos faça associar a essa poesia de almanaque que infesta nosso mundo. Ao contrário, não há nada de estritamente poético no filme, e daí vem sua primeira aproximação com um certo projeto de poesia. Falamos de um menino que escreve poemas, mas, antes de uma reflexão sobre os poemas que são escritos - aliás, poemas ruins, diga-se de passagem - o filme aposta, digamos, num "estado-poesia". Que estado é esse? O do flaneur, o do vagabundo que perambula por espaços à procura de algo que faça sentido, de uma brisa, de alguma palavra amiga, de uma menina, de uma diversão. O poeta de Manivel não é um líder revolucionário que quer mudar o mundo, tampouco é o romântico amargurado, que vive trancafiado em casa à busca do verso perfeito. Não é nem mesmo o intelectual cercado de livros (ele não gosta de poetas, não gosta do museu) nem o boêmio bon vivant rodeado de mulheres e de prazeres. O poeta é apenas um menino, um menino curioso pelo mundo. O poeta de Manivel não vive enclausurado no seu próprio mundo: ele sai, então, à procura de algo, fala com pessoas, ele procura simplesmente observar o movimento do mundo, ele tenta estar ali. Se vivemos num mundo cercado pelas relações do trabalho, pelos objetivos pragmáticos e utilitaristas, pela vontade da eficiência no emprego do tempo, o poeta de Manivel é uma criança, é um ser ingênuo, que apenas caminha pelas ruas desconhecidas à procura de algo que ele próprio não sabe bem o que é, e que, na falta de termo melhor, ele denomina de "inspiração". O poeta de Manivel, antes de escrever "poemas perfeitos, opta por mergulhar num "estado-poesia": o filme nos faz imergir nessa busca obsessiva pelo banal: esse é o trabalho rotineiro do poeta, um certo estado de mergulho numa observação distante do mundo, uma vontade de vida que ele participa de forma discreta, tímida e parcial. Um jovem poeta - o filme - assim, assume de forma frontal o seu processo de criação, a sua aposta obsessiva pelo cinema da ingenuidade - o poeta é um menino que mal sabe viver. O fracasso desse poeta - o fato de ele não saber escrever poemas, o fato de ele não conseguir pedir o telefone para a mulher que ama, o fato de ele ser esse grande ser desajeitado e branquelo, que mal sabe beber um gole de vodka - revela a obsessão de Manivel por um "estado-poesia", uma forma de estar no mundo que se opõe às fórmulas do sucesso, da vaidade, do contorno do poeta romântico, louco, marginal, rebelde, provocativo.

Essa ingenuidade é central para o projeto de juventude do filme: é um poeta jovem. Juventude - a juventude é terrível quando se é jovem, mas bela quando se vê de longe. Assim, Manivel encena de forma frontal as fragilidades de seu poeta e de seu próprio projeto de cinema (Manivel como um poeta jovem). Na primeira cena do filme, o poeta procura o cemitério. Lá, ele se senta num banco, de frente para uma sepultura, e vemos, em três camadas, a terra, o mar e o céu. Elementos que vão se propagar ao longo do filme: uma floresta, o mergulho no mar. A noite, o dia, o tempo, a vida, a morte, o caminho, e só. Como típico cinema contemporâneo, um jovem poeta não deixa de mostrar um corpo que se desloca num espaço, esse poeta que cria observando o movimento do mundo, esse filme que busca sua dramaturgia ao por um corpo que se desloca no interior de um quadro cinematográfico.

Um jovem poeta dialoga com algo de um cinema contemporâneo: lembramos de Na cidade de Sílvia, ou de A religiosa portuguesa. Há um certo clima de contemplação, essa distância salutar da loquacidade do mundo, a proximidade com o universo da criação. Mas não importa que o poeta de Manivel escreva mal: antes disso, ele busca uma forma de estar no mundo, ele se deixa perder pelas circunstâncias que encontra, ele não se fecha para o mundo, ele procura observar o espaço, o tempo e as pessoas, e dessa forma, ao invés de sua poesia ser as palavras que escreve, ele se coloca num sentir poético que, se não o transforma, o coloca em disponibilidade - num estado de fragilidade - que potencializa sua condição. O poeta de Manivel não atualiza nada, ele é todo devir. A aposta que Manivel faz por um certo projeto de poesia é ingênuo porque ele não é transformador, porque não há nada que assegure que esse "estado" levará seu poeta a uma condição melhor - essa é sua fragilidade.  E é exatamente essa fragilidade ou ingenuidade que tornam esse filme tão simples algo tão potente. É essa aposta incondicional na honestidade, aposta frontal num projeto de ingenuidade e fragilidade!!!! A juventude do poeta de Manivel é a do século XXI, ainda que o personagem seja anacrônico, ainda que ele não ande de ipod ou fale no whatsapp (ele sequer tem celular).

Ou ainda, colocando de outra forma, a beleza do projeto de poesia de um jovem poeta é seu uso da luz. um jovem poeta - um filme sobre a luz. Luz cálida, que oscila entre a luz dura do sol da cidade e o âmbar da madrugada. Luz dos ambientes, que talvez preencha o interior desse personagem que busca. A suavidade e a ingenuidade dessa busca não apagam sua melancolia, sua certa solidão, mas há uma leveza - não há mais a revolta dos existencialistas nem a pregação política partidária. A política de um jovem poeta está na consciência de sua serenidade, em seu estado de suspensão, nessa distopia. A quem se dirige, pois, o poeta ao final? Quem é o autor das frases que lhe surgem como uma frágil resposta?

O vazio desse contracampo somos nós.
Tudo é leve, mas há algo que falta, que fica sem resposta, e essa resposta nem mesmo nós, muito menos a poesia poderá nos dar.

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