Colegiais em sexo coletivo, de Juan Bajon, e a universidade





Pelas minhas errâncias pela trajetória do cinema brasileiro, acabei cruzando com COLEGIAIS EM SEXO COLETIVO, uma fita de 1985 de Juan Bajon, e confesso a vocês que cheguei a ficar comovido com o filme. O cinema brasileiro é cheio disso, de exemplos de filmes menores, tomados pelo desejo de continuar filmando, nas condições possíveis, ainda que em meio de toda a maior precariedade do mundo. Enfrentar de frente as suas limitações e a sua precariedade - olhar de frente para si mesmo, olhar de frente para o atual estado do cinema brasileiro e o atual estado de um país. Nesse filme do Bajon, típico filme da fase de sexo explícito, as transas são entrecruzadas com conversas na cama após o coito. Os casais conversam, e nesse momento - um filme todo feito entre o pré e pós-coito- é a única breve oportunidade de Bajon tentar fazer seu cinema possível, ou seja, de desabafar sobre um estado de coisas, sobre o cinema brasileiro, sobre a crise econômica do país, sobre sua solidão, sobre seu desejo de fazer outra coisa, de viajar para outro lugar (a Austrália) e o medo disso, sobre a necessidade do outro, - e não conseguindo nenhuma resposta para cada um desses problemas, derramados de uma forma tão sincera apesar de precária, vamos então ao sexo, ao corpo do outro, ao único prazer possível. Um tanto melancólico, mas ao mesmo tempo um sutil gesto de positividade, pois, mesmo assim, se faz cinema, pelo menos ainda temos o toque da pele do outro. É o possível nesse país do final da década de oitenta. Fico pensando que estamos entrando na era da redemocratização, mas para Bajon, nessa leitura meio doida que faço, fica claro que não estamos caminhando para lugar algum, a não ser o "cada um por si". Tempo nublado, mas se continua a fazer cinema, continua-se caminhando mesmo assim. Até quando? De repente, descubro a atualidade do discurso de Bajon, as suas semelhanças com o estado sombrio do país de hoje. A diferença é que naquela época tínhamos um mercado de cinema, ainda que minguando. Hoje, não temos mais. Talvez possamos ter algum espaço na televisão, com essas leis de tv por assinatura, mas não sei se algo sincero, que não seja meramente um produto, possa surgir daí. A internet, esse espaço maravilhoso para a produção e exibição de conteúdos, ainda não conseguimos ocupar pra valer.
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Pelo título, o filme fala de colegiais, de uma juventude. Talvez por isso fiquei com muita vontade de compartilhar essa discussão na universidade, com minha turma de alunos. Mas não posso. Não posso passar um filme de sexo explícito nas aulas. Não convém. Ainda não chegamos a um nível de liberdade de padrões morais que nos permitam, numa sala de aula, discutir um filme como esse. Uma pena, pois, para além das cenas de sexo, esse filme apresenta um debate sobre um cinema possível (sobre o que é possível fazer) que é muito atual. Gostaria muito de poder fazer uma discussão sobre cinema que cruzasse Straub com Bajon, Lisandro Alonso com Jean Garret. Mas não é possível. Se eu exibisse COLEGIAIS EM SEXO COLETIVO na minha universidade, eu iria ser apedrejado. Um professor deve educar seus alunos, "isto é", passar-lhes mensagens positivas, exibir filmes elogiados, desenvolver nos alunos uma ideia de progresso, se possível aprovar a todos e dar nota dez, "pois todos os alunos tem suas qualidades, e não faz sentido dizer que um é melhor do que o outro, por isso, dê notas altas a todos, pois isso os estimula, e para os índices do curso e da universidade, é bom que todos passem com notas altas e tenham IRAs altos, etc.". Pois é importante, na posição de liderança que temos como professores, passar a ideia de que tudo está bem, tudo funciona, todos são ótimos e lindos. A Universidade, os alunos e os professores, o cinema cearense, o cinema brasileiro, etc. Mas, por uma coisa maluca dentro de mim, que me faz lembrar da música do Raul Seixas, OURO DE TOLO, não me conformo com isso. Quero dizer que "o rei está nu". Quero problematizar o que temos, para chegarmos em algo a mais, não estou satisfeito. Não busco o equilíbrio, a harmonia, esse tipo de coisas. Mas não convém a um professor universitário ficar falando na sala de aula, nas reuniões de colegiado ou mesmo na internet que "o rei está nu". É preciso dizer que tudo está bem, que todos somos ótimos. Mas tenho dúvida disso. Gostaria de contribuir para um debate sincero sobre o rumo das coisas, realçar outras nuances que parecem adormecidas, ou que ninguém quer ver ou prestar atenção, mas é difícil pois as pessoas levam muito para o pessoal qualquer discordância. Ainda não conseguimos desenvolver de forma sadia e madura um ambiente que possibilite a possibilidade da discordância, e de ela ser colocada com respeito pelo outro. Se não conseguimos isso numa universidade num curso de criação e de cultura, quanto mais em nossa sociedade.

Comentários

ADEMAR AMANCIO disse…
Ótimo texto,vi e adorei o filme.

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