O COMPLETO ESTRANHO




O COMPLETO ESTRANHO prossegue o caminho de amadurecimento de Leonardo Mouramateus, esse jovem realizador cearense que, em pouco tempo, conseguiu resultados expressivos com um punhado de curtas muito pulsantes e com muito trabalho, quase todos realizados sem recursos públicos, com uma equipe colaborativa, entre o cinema, o teatro e a dança. Mouramateus prossegue realizando um curta atrás do outro em Fortaleza: Fui à guerra e não te chamei, Europa, Dias em Cuba, Charizard, Mauro em Caiena, Lição de Esqui, além de um conjunto de obras instalativas e de outros trabalhos menores. Entre o documentário observativo de primeira pessoa e a ficção coletiva baseada no corpo e na performance, já é possível afirmar que constitui uma obra, um corpo de questões em comum, que vão sendo prolongadas, desenvolvidas, aperfeiçoadas, e que aos poucos vão levando esse cinema móvel para outros lugares.

O COMPLETO ESTRANHO prossegue essa trajetória de descoberta e de depuração. É possível ver CHARIZARD, LIÇÃO DE ESQUI e O COMPLETO ESTRANHO como uma espécie de trilogia sobre o comportamento de uma juventude em Fortaleza, cuja afetividade se expressa a partir dos corpos e da dificuldade e da necessidade de estar junto. Mas, entre os três, talvez O COMPLETO ESTRANHO seja o mais bem acabado, pelo fato de o realizador e sua equipe terem encontrado uma certa ética da encenação que equilibra o desejo de potência, uma alegria da pulsão, com um certo rigor frio, comedido, uma certa depuração. Já havia algo de Bresson e Brecht em CHARIZARD, mas em O COMPLETO ESTRNHO os personagens falam, mas escondem muito mais do que falam, ou ainda, falam muito mais pelos seus silêncios.

Colocando de outra forma, de forma menos abstrata, O COMPLETO ESTRANHO é sobre o desejo de ficar e sobre o desejo de partir. Partir ou ficar? Ficar ou partir? Ir a uma festa ou ficar em casa? Ficar na festa ou voltar para casa? Ficar em Fortaleza ou sair da cidade? É a partir dessa dúvida - ou ainda, a partir desses interstícios, desses intervalos, desses silêncios, desse algo que não consegue ser dito - que o curta, como alguns outros do realizador, equilibra um olhar da singularidade, da construção da natureza misteriosa desses personagens, com um olhar sobre a própria cidade de Fortaleza, um certo olhar político sobre a solidão de uma juventude. Acontece que essa solidão, ou ainda, essa dúvida, não paralisa os personagens. Eles de alguma forma se atiram ao mundo, saem de casa, tentam a sorte, buscam amar, são curiosos, ouvem e se aproximam das pessoas. Essa é a pulsão, a esperança e a política dos curtas recentes de Leonardo Mouramateus.

Em O COMPLETO ESTRANHO isso é expresso de diversas formas. Na luz como elemento de dramaturgia (trabalho incrível de Juliane Peixoto e Felipe Acácio, complementado pela correção de cor de Alexandre Veras): as luzes da festa, o apagão, a penumbra. Nas citações indiretas (influências) ao cinema íntimo de Caetano Gotardo. Nos corpos dos personagens que transam e dançam. Que se beijam. Que observam e são observados. No rigor do modo como os personagens (e a câmera) sobem um lance de escadas. Mas acredito que é melhor expresso quando essas ações e intenções se revelam a partir das penumbras e dos silêncios. Por exemplo, quando cantam " I´ll fly with you". Quando as duas amigas se beijam na pista de dança e a câmera fica um pouco mais em uma delas. Na forma como repousa sua mão sobre a parede quando Geane, de costas, fala ao telefone.

A cidade é refletida nas bordas dos vidros da janela no plano final do filme, complementando as relações entre as pesoas e a cidade. Afinal, Fortaleza é a maior cidade pequena do mundo.

Espero que o cinema de Leonardo Mouramateus esteja apenas começando! Que ele consiga se equilibrar entre o desejo de ficar e a necessidade de partir.

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