Em PRAZERES DESCONHECIDOS estamos em outro tipo de cinema,
que busca um outro tipo de relação entre cinema e mundo, que vislumbra uma
outra forma de representar o mundo e as pessoas. Ha sempre muito movimento em
PRAZERES DESCONHECIDOS. No entanto, esse movimento não leva aos lugares pré-planejados
do cinema narrativo convencional. Existe a formação de um "mood", de
um clima, que nos faz sentir, através das AMBIÊNCIAS, uma forma de estar no
mundo. É preciso ver e ouvir de outra forma. O filme desenvolve as relações
entre três personagens que formam uma espécie de triângulo amoroso, mas
acontece que, se usarmos a expressão da matemática, os corpos estão em quadro
através de relações, e não de funções. O filme não se preocupa em apresentar ao
espectador uma ideia de beleza, mas sim uma verdade. É como se o cinema não
fosse uma questão de verossimilhança, e sim de verdade. Não precisa mais ser
"belo" e "funcionar", é preciso que os corpos habitem um
espaço de uma maneira viva.
PRAZERES DESCONHECIDOS fala de uma precariedade. Há algo que
falta: dinheiro, afeto, conforto, ideais, paixões, etc. Mas os personagens não
são vítimas de um mundo ou de uma sociedade torpe. Não há justificativas plausíveis
para a falta. O filme não quer comprovar uma tese. O filme não quer desenvolver
a catarse no espectador para que ele "tenha pena" ou
"torça" pelos personagens. O filme não é um jogo, não joga com os
personagens como se fossem marionetes. PRAZERES DESCONHECIDOS é um filme que
examina a falta de perspectivas dos jovens de uma China que se transforma num
ritmo cruel mas que a desigualdade desse crescimento sufoca as possibilidades. Mas
por outro lado, existe um presente que pulsa. Só temos o presente, então vamos
a ele. Há uma curiosidade enorme do diretor e da câmera em perscrutar os
cantos, os pequenos movimentos, mesmo que eles não apontem para lugar algum além
dessa urgência de fazê-los ali daquela forma, e não de outra.
A isso podemos dar o nome de cinema contemporâneo.
Jia Zhang Ke é o irmão mais novo de Hou Hsiao Hsien. A
"desfuncionalização" da narrativa para poder melhor abraçar uma
geografia (um espaço físico, um espaço humano, uma "paisagem") atinge
instantes de muita iluminação com esses dois realizadores. Ao mesmo tempo, o
jovem Jia Zhang Ke parece ter uma rebeldia que não cabe muito no cinema mais
delicado mas não menos tumultouso de HHH.
PRAZERES DESCONHECIDOS poderia se passar em Fortaleza com
poucas adaptações. Mas foi feito na China. PLATAFORMA e PRAZERES DESCONHECIDOS
ampliam as possibilidades de o cinema de ficção observar as transformações do
mundo e como as estratégias de representação podem lidar diante dos desafios da
vida. Outro filme chinês que amplia esses horizontes no campo do documentário é
A OESTE DOS TRILHOS, de Wang Bing, mas
essa já é outra história.
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