TIRADENTES 2014: A MULHER QUE AMOU O VENTO
Em A MULHER QUE AMOU O VENTO, Ana Moravi faz um filme
assumidamente ficional, com uma estética minimalista. Há praticamente em todo o
filme uma única atriz em cena (Thais Dahas), que contracena com o vento, que
ocasionalmente (raramente) assume uma forma humana (Dellani Lima). Não há
propriamente um crescendo, ou uma evolução dramatúrgica: a cena se constroi em
pequenos momentos de interação dessa personagem com os elementos de cena, que
são mínimos: roupas no varal, um catavento (uma biruta) vermelho, uma cadeira
azul, um ventilador, fitinhas multicoloridas, alguns sininhos, etc. A atriz
percorre esse cenário, entre a beleza da paisagem natural e sua pequena casa,
como se fosse uma espécie de tableau.
Ela vive em equilíbrio com a Natureza, numa espécie de paz.
Bastante delicado e feminino, A MULHER QUE AMOU O VENTO dialoga, a grosso modo,
com o cinema de Agnes Varda, em sua mescla de cinema e artes visuais. Em sua
aposta pela dilatação dos tempos, pela rarefação das narrativas de pequenas
situações, Ana Moravi parece apontar para um cenário de fuga da opressão dos
centros urbanos, como escape da loquacidade da aceleração frenética e
desordenada. Busca o equilíbrio, a beleza e a paz.
A atuação de Thaís Dahas não pode ser definida por uma curva
dramatúrgica, ou pelo desenvolvimento de uma personagem: ela existe basicamente
como corpo que trafega em um espaço, como um anjo que flutua pela Natureza à
espera do seu destino, como uma performance em que ela se torna bailarina em um
campo aberto. A MULHER QUE AMOU O VENTO poderia se chamar A MENINA QUE AMOU O
VENTO e poderia ser também uma videodança. Há um certo tom de cinema infantil
no filme de Ana Moravi, já nítido desde a concepção visual dos créditos. Há uma
crença na ingenuidade da imagem, num certo romantismo. Por isso, acredito que a
imagem-síntese desse filme seja um momento visual em que é formada uma imagem
circular, em que Thais dança por sobre a superfície desse círculo, numa imagem
que nos remete diretamente às ilustrações mais conhecidas de O Pequeno Príncipe.
Enquanto dança, Thais é plena em seu mundo, é bela. Mas ao
mesmo tempo falta-lhe algo. Thais busca viver em paz e em equilíbrio com a
Natureza mas fracassa. Ela fracassa em sua solidão; o vento a atravessa e passa
a perturbá-la. Sozinha, toda a sua beleza parece estéril.
Essa imagem "pequeno-príncipe" me parece refletir
toda a beleza e todas as fragilidades do projeto desse filme. A beleza e a
delicadeza desse universo feminino às vezes me parecem frágeis demais para
lidar com o mundo. A MULHER QUE AMOU O VENTO é tão belo e consciente de seus
movimentos que parece frágil demais para amar, pois o mundo muitas vezes é
sujo; o amor, nem sempre é o idealizado... Seu romantismo idealizado acaba por
fracassar, junto com a personagem. Talvez falte um pouco a Thais deixar de
brincar de boneca e se sujar um pouco de terra. Talvez falte a Thais - e ao
filme - se arriscar um pouco mais, deixar a zona de conforto, abandonar a paz
que se conquistou a tão duras penas e embarcar nesse desconhecido rumo chamado amor,
que muitas vezes não é nada agradável. Às vezes (não raras vezes) amar não é
nada agradável, ou belo.
Me parece que A MULHER QUE AMOU O VENTO é um irmão de filmes
como INSOLAÇÃO e DO COMEÇO AO FIM (ver http://cinecasulofilia.blogspot.com.br/2010/04/insolacao.html). Fico comovido pelo gesto de Ana Moravi mas em dúvida para
o que ele de fato aponta, dentro do cenário do cinema brasileiro contemporâneo.
Por conta dos títulos, fico pensando na diferença entre A
MULHER QUE AMOU O VENTO e A MULHER QUE INVENTOU O AMOR. Em como o feminino se
expressa nesses dois filmes, e em como os dois filmes observam a dificuldade de
amar. Para amar, é preciso arriscar tudo, é preciso viver, é preciso estar no
mundo, gostando ou não de como ele é.
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