Para além da mineirice: a natureza no cinema de Carlos Alberto Prates Correia
(texto que escrevi para o catálogo da Mostra do Filme Livre sobre o cinema de Carlos Alberto Prates Correia, o homenageado da edição da MFL de 2013...)
Para além da
mineirice: a natureza no cinema de Carlos Alberto Prates Correia
Para me preparar para a missão de rever os seis
longas-metragens que compõem a filmografia de Carlos Alberto Prates Correia,
fui procurar na coleção de discos do meu pai os LPs do Clube da Esquina. Acabei
achando ao lado deles dois LPs de Milton Nascimento dos anos setenta: Minas e
Geraes. Ou ainda, poderia rever a literatura de Guimarães Rosa. “o mineiro não
se move de graça. Ele permanece e conserva. E espia, escuta, indaga, protela ou
palia, se sopita, tolera, remancheia, perrengueia, sorri, escapole, se retarda,
faz véspera, tempera, cala a boca, matuta, destorce, engambela, pauteia, se
prepara. Mas, sendo a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz.” Mas para verouvir os filmes de
Prates, não é preciso ser mineiro. É preciso ser gente. É preciso ser curioso,
é preciso ter gosto pela terra, cheirar uma musicalidade que vem da ponta dos
dedos, dos pequenos gestos, dos sussurros e dos gemidos. É preciso gostar de
olhar para o mundo, de escutar a prosa das pessoas, de ter gosto de olhar o
vento nas folhas das árvores pelas frestas das janelas do trem. Mas é preciso
também ser um pouco estrangeiro. Um pouco matuto, um pouco desconfiado disso
tudo.
Se o cinema de Prates imediatamente nos remete ao cenário
mineiro, é pela busca de uma geografia. Mas não apenas uma geografia física,
para as amplas paisagens do cerrado mineiro, mas especialmente uma geografia
humana, que aponta para uma outra forma de estar no mundo, para os pequenos
gestos e tempos do ser mineiro, para o que se esconde por trás do que se
revela. Uma geografia da intimidade. Um cinema sobre a natureza.
A natureza. A paisagem que transborda das paisagens de trem.
A natureza do Homem que busca o seu lugar no mundo. Os personagens de Prates,
esses eternos viajantes, em busca de si mesmos. A frágil mulher de Perdida, que
encontra a liberdade na zona, onde descobre seu próprio corpo. Mas que guarda
dentro de si essa alegria triste, esse certo desamparo, esse amante
caminhoneiro que vai permanecer no extracampo boa parte do filme. Ainda é
possível viver em liberdade?
Em seu olhar singelo para a natureza, para o espaço físico
como catalisador de tensões humanas, para o despontar do sexo que se relaciona
à descoberta de si mesmo, o cinema de Prates pode ser associado com o cinema de
Humberto Mauro, ou ainda com os filmes de Walter Lima Júnior. Seu suposto
sotaque mineiro, no entanto, nunca implica uma inclinação de um cinema
regionalista. Por isso a propalada mineirice do cinema de Prates deve ser
relativizada: a natureza do Homem é a de buscar o seu lugar próprio no mundo.
Seus seis longas-metragens abrangem um intervalo de quatro décadas. Em Perdida,
a mulher simples, de origem humilde, não é retratada a partir da denúncia
social do cinema novo. Em Cabaret Mineiro, a descrição realista da paisagem
mineira por vezes sucumbe a um certo tom alegórico, mesclando poesia e prosa,
passado e presente, lembrança e delírio, o possível e o improvável. Noites do
Sertão, muito passado em interiores, tem uma atmosfera telúrica, as convenções
do interior mineiro também se expressam por meio de uma sexualidade reprimida
que parece estar a ponto de a qualquer momento explodir. É possível represar a
corrente do rio? A contenção de Noites do Sertão dá espaço à expansão
tragicômica de Minas Texas (os dois espaços se encontram num só nome, sem
separação por vírgula), encontro partido expresso nos dois lugares que
intitulam o filme, e que se tornam um só, o espaço da adolescência de Prates e
o espaço cinematográfico, o mundo do cinema, o cinema de gênero. O próprio
cinema como invenção de um mundo.
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