Like someone in love
Um alguém apaixonado
de Abbas Kiarostami
Em seu segundo filme fora do Irã,
Abbas Kiarostami, em plena maturidade do seu ofício, vai jogando sua
filmografia para frente. Talvez pareça despropositado, mas, para mim, Um alguém
apaixonado não me parece muito diferente de O que se move. E isso é muito
curioso: um jovem cineasta paulistano que está fazendo o seu primeiro filme; um
veterano consagrado realizador iraniano filmando no Japão. O que me parece
comum em ambos os filmes? Por trás de um discurso de delicadeza, existe um
cinema político que aponta para uma bomba atrás das cortinas, que está
prestes a explodir. São Paulo, Tóquio. Um alguém apaixonado, filme realizado no
exílio, é um filme político. Filme político que aposta num projeto da
delicadeza e de um humanismo mas sem dar as costas ao mundo, olhando
atentamente o que está ao redor. É nítido que Kiarostami vai dialogar com
outros aspectos de sua filmografia, especialmente algumas questões de Cópia
Fiel: soluções de encenação ao filmar num lugar estrangeiro, tensões entre o
interior e o exterior, limites entre a representação e a vida. Novamente o
carro, esse símbolo da modernidade (o progresso, a produção industrial de
massa, Ford) desde o cinema de Griffith. Novamente o campo-contracampo, esse símbolo
da gramática cinematográfica desde os tempos de Griffith (e Ford – outro Ford).
Esses interiores que nos afastam do mundo, mas não de forma totalmente opaca
(os vidros que fundem reflexos das luzes de neon; as cortinas que funcionam
como véus). Esse amor que nos consome. Como é difícil amar, ou a vida não é tão
doce quanto parece. Cópia Fiel é diferente de Um Alguém Apaixonado porque o
primeiro é filmado na Itália, e o segundo, em Tóquio. Há toda uma cultura, há
todo um cinema que passa ali. Há toda uma geografia que se espelha não só na
paisagem, mas numa forma de estar no mundo, em como os corpos e os olhares se
posicionam. Se Cópia Fiel – delírio momentâneo – pode ser visto como um diálogo
com o cinema de Rossellini, por que não pensar em como Um Alguém Apaixonado
dialoga com um certo cinema japonês? Mas, como estávamos dizendo, Um Alguém
Apaixonado – não se pode esquecer isso nem por um breve momento – é um filme
político, sobre o mundo de agora. Um filme violento. Um filme sobre o Irã,
muito mais violento que a xaropada novelesca sensacionalista (sedutora) de A
Separação. Um filme que me parece uma mistura híbrida de Não Amarás e de
Là-bas. Se prestarmos bem atenção, a violência do mundo de Um Alguém Apaixonado
se faz presente no filme desde o início (a prostituição, a avó abandonada, um
isqueiro que se acende, um quase acidente de trânsito – um cochilo, uma correia
quebrada, um irmão deficiente, etc, etc). Talvez não consigamos percebê-la. Mas
ela invade nossas vidas, queiramos ou não.
Comentários