Hadewijch

Hadewijch
de Bruno Dumont
Unibanco Dragão sex 4 16:20
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Em um certo momento de Hadewijch, o irmão do menino árabe, uma espécie de pastor da comunidade muçulmana, fala sobre a presença de Deus em meio ao invisível. Parece clara a busca de Bruno Dumont por um sentido religioso da imagem, uma busca pelo além das superfícies do plano, uma certa angústia de viver, uma certa dificuldade de os corpos se tocarem, numa sociedade francamente desigual. Se a filmografia de Dumont sempre trabalhou os limites exíguos entre o sublime e o grotesco, a inocência e a brutalidade, ou ainda, como a violência pode emergir de um mundo idílico, em seus últimos trabalhos Dumont caiu no excesso. Com isso não me refiro somente às explosões nonsense de Flandres ou ao esdrúxulo final de Twentynine Palms, mas especialmente ao fato de que Dumont vem se acomodando a uma certa feição do seu trabalho, cercada por uma certa polêmica e por um discurso do vazio do mundo quase pueril. Em Hadewijch há uma certa mudança, há um certo retorno ao cinema de A Humanidade e A Vida de Jesus, mas ao mesmo tempo há um achatamento de sua construção de cinema. Existe muitas vezes uma beleza plácida em Hadewijch, uma busca por uma simplicidade, o rosto nu de Julie Sokolowski, uma busca pelo invisível que parece que nunca vem, um certo rigor marcado pela contenção. O maior exemplo é a linda sequência em que Celine vai à Igreja e ouve o ensaio de um pequeno concerto, filmado num belo e simples campo-contracampo. Se por um lado a busca por um êxtase que é sempre peremptório se associa a todo o cinema de Dumont, aqui atinge quase um paradoxo: a busca por um cinema metafísico é entrecortada por um sentido de urgência de um mundo, a minoria árabe, a alienação das elites, as ações de terrorismo. No meio de tudo isso, Dumont ainda busca confirmar sua vocação como cineasta, evocando climas e recorrências de filmes de Dreyer e Bresson. Entre Mouchette e Do Outro Lado, Dumont não é nem Bresson nem Faith Akin. Por um lado é positivo o fato de Dumont nitidamente querer fugir do “espetáculo dos horrores” que caracteriza seus últimos dois filmes, mas, ainda assim, preocupado em evocar Bresson, Dumont não percebe o que os Dardennes fizeram antes, em Rosetta. Os Dardennes fizeram uma grande homenagem a Bresson com um filme com uma incômoda câmera na mão e um som ensurdecedor, mas existia todo um percurso que honrava sua sequência final – é só pensar em Pickpocket. Mas Dumont ainda está preso aos sentidos literais da homenagem: a epifania precisa vir acompanhada de raios solares, o pré-clímax é inundado pela chuva e pela música de Bach. Esses recursos não são ruins em si mesmos mas acontece que Dumont sempre fica no meio do caminho. Seu filme não chega a ser ruim, mas simplesmente trai a tudo aquilo o que ele homenageia, a tudo aquilo o que ele supostamente busca: a possibilidade de uma iluminação.

Comentários

Kinopíxel disse…
Marcelo, também vi Hadewijch e concordo com parte da sua análise. Há muito de Bresson na obra de Dumont. Mas curti o equilíbrio entre o tom político, estético e religioso que o filme evoca. Creio que o Dumont ousou ao enfrentar essa corda bamba. E para mim soube se equilibrar. De qualquer forma é um cineasta que devemos acompanhar.
Abraços,
Pablo: www.casadepixels.wordpress.com

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