os dois Hachikos

Acabei vendo Sempre ao meu lado (Hachiko, a dog´s story), filme menor mas que me interessou por ser dirigido pelo sueco Lasse Hallstrom. Sempre gostei do cinema de Hallstrom, mesmo dos filmes oscarizáveis como Chocolate e Regras da Vida. No entanto, sua carreira entrou em declínio em meados deste século, depois do fracasso de Chegadas e Partidas.

Hachiko provavelmente é um filme de encomenda, que atraiu Richard Gere pela sua simbologia japonesa. Hachiko é baseado em um acontecimento real no Japão dos anos vinte, quando um cão ia à estação de trem todos os dias pontualmente às cinco da tarde esperar por seu dono, mesmo após a morte deste. O único interesse do filme de Hallstrom acontece logo no início, na chegada do cão, já que boa parte da filmografia de Hallstrom é dedicada à questão do estrangeiro, segundo um ponto de vista de sua adequação a um novo mundo. Hallstrom meramente ilustra a história do cão, fazendo um filme burocrático e previsível, já que a história original não tem muito conflito. Amacia os bons sentimentos com música e sentimentos sobre o afeto e a amizade. Ainda utiliza uma opção terrível: enche o filme de planos pontos-de-vista do cachorro filmados em digital, nada acrescentando ao filme, além de um suposto gracejo visual.

Pesquisando um pouco mais, descobri que trata-se de um remake de um filme japonês de 1987, Hachiko monogatari, dirigido por um veterano diretor japonês (Seijirô Kôyama) com roteiro de Kaneto Shindo. Na época era apenas o terceiro ou quarto filme de Koyama, mas é dirigido com enorme segurança. Que diferença para o filme de Hallstrom!!! O filme de Koyama é mais melancólico, bastante centrado na relação entre os membros da família. Percebemos que o cachorro representa os laços de um Japão tradicional (a lealdade, o não-pragmatismo, o desinteresse, o afeto) que estão se perdendo num mundo cada vez mais materialista e pragmático. O filme se debruça com muita sutiliza sobre o fato de que o professor cada vez mais se aproxima do cachorro e se afasta dos membros de sua família: ora, o cachorro Hachiko passa a ser o filho que ele não teve. Quando o professor morre, o filme vira uma espécie de “Au Hasard Balthazar japonês”: o cão perambula pelas ruas da cidade cobertas pela neve, à procura de seu antigo dono que nunca vem, convivendo com o desprezo das pessoas, ou uma eventual ajuda mas sempre parcial. O último plano, belíssimo, com uma enorme grua, de uma tristeza viscontiana, mostra o cachorro morto, ou ainda, como já descobrimos, o triste fim de um certo Japão.

As diferenças entre as duas adaptações, além de mostrar a diferença de talento entre os dois cineastas, são um bom exemplo da diferença de pontos de vista entre os cinemas americano e japonês. O filme de Hallstrom amacia os sentimentos, investindo num “feel good” e numa lição de moral um tanto primária. Já o japonês problematiza os sentimentos, aprofunda as relações humanas, diz pelo “não-dito”.

Comentários

Leonardo disse…
Legal, mas acho que não deveria contar o filme todo, né
Cinecasulófilo disse…
é verdade...rs...mas é que a história do cao Hachiko é bem conhecida, entao em geral espera-se que quem vá ver o filme já saiba da historia e esteja interessado mais na forma do seu desenvolvimento do que propriamente nas surpresas narrativas.... abs

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