Another Woman
A Outra
Woody Allen
** 1/2
Aproveitei uma subita doenca para (re)ver A OUTRA, do Woody Allen, que 'e um filme que h[a tempos eu gostaria de rever. Allen eh certamente um diretor incompreendido. O filme eh comovente, porque claramente eh uma refilmagem de Morangos Silvestres, e evidencia a obsessao de Allen pelo diretor sueco. Ainda que o filme tenha inumeras referencias - que creio que nem valeria a pena enumera-las aqui - como a presenca da voz off, as cenas de sonho, o uso dos closes, etc, tambem me parece Claro que Allen
coloca o seu tempero, especialmente nos dialogos picantes ou com um certo humor. Ou seja, mesmo tentando ser Bergman parece irresistivel para Allen ser ele mesmo. Eh comovente acima de tudo quando vemos um artista tentando fazer uma homenagem a um idolo. E a forma como Allen fez essa homenagem eh bastante digna e sincera.
Claro que nao eh exatamente uma reflexao sobre o papel de se pensar outro autor - por exemplo como fez Hou em Cafe Lumiere ou Denis no seu outro filme em relacao a Ozu - mas eh uma coisa menor mesmo, uma coisa mais intima: eh a possibilidade de dar um abraco carinhoso a um mestre. Ha uma cena muito cativante nesse sentido: eh quando
uma ex-aluna aborda a professora de filosofia interpretada por Gena Rowlands num jantar, e diz a ela de maneira muito singela e elegante que ela "simplesmente mudou a sua vida" e como ela se lembra de detalhes de uma aula que, percebemos logo depois que nem a propria professora se lembra. Esse dialogo talvez seja um espelho da propria relacao de Allen com Bergman, com a diferenca que Allen por sua vez tambem eh um "mestre". Ou ainda, nos revela tudo o que estah verdadeiramente em jogo com este filme: a possibilidade de simplesmente dizer "obrigado" "sem interromper o jantar" (claro, mas ja interrompendo), isto e, de uma maneira discreta e humilde.
Mas talvez Bergman tenha funcionado para Allen mais como "aquela voz em off que vem do aparatamento vizinho, e que faz mudar a sua vida",assim como a voz da Mia Farrow invade o apartamento da escritora. Ou seja, enchendo a vida de duvidas, e de um certo mal estar. Nesse sentido, eh muito bonito quando descobrimos que, quando as duas finalmente se encontram, na verdade Rowlands eh a verdadeira paciente - fragil e carente. Ou no final quando Rowlands finalmente descobre suas fragilidades (sai da armadura de seu mundo seguro, preso aos livros que escreve, e esolve "caminhar pelas ruas", reencontrar pessoas e descobrir coisas da vida, de sua propria vida), ela n~ao ouve mais a voz de Farrow, pois esta recebeu alta. Num certo sentido, fazer esse filme representa "ganhar alta da sindrome de Bergman" que persegue Allen, embora ele tenha tido algumas "recaidas" (por exemplo, Setembro), ou melhor talvez seja admitir essa presenca para sempre (Desconstruindo Harry [e outra refilmagem de Morangos Silvestres...).
Por outro lado, A OUTRA eh um filme atual tendo em vista a filmografia de Allen porque comprova uma de suas maiores licoes: a economia de uma mise en scene. Embora um ou outro recurso pareca datado (em especial as zooms), a forma singela e habil como Allen corta dentro de uma sequencia, ou de uma sequencia para outra (ha momentos de transicao de tempo dentro do mesmo espaco, ou ainda, nas sequencias de sonho narradas em off, assim como em Morangos Silvestres) comprovam a sabedoria de Allen em fazer seu filme funcional com recursos simples mas s[abios. Ou seja, uma discreta aula de direcao, como o bom cinema americano. Por fim, me surpreendeu muito a forma sabia como Allen filma esse apartamento em que Rowlands se esconde do mundo mas ao mesmo tempo descobre o mundo (e essa descoberta vem do som, ou ainda, vem do extracampo). Isto eh, O apartamento de Tomek em que ele VE a mulher EM FRENTE agora passa a ser o apartamento de Rowlands em que ela OUVE a mulher DO LADO. Vejam que maravilhoso: [e como se o contracampo de Nao Amaras agora nao pudesse mais ser visto, mas ouvido, como uma voz interior. Linda mudanca de perspectivas pois
descobriremos no final - conforme ja escrevi antes - que Rowlands na verdade eh aquela mulher ao lado, que tera alta. Claro, pois ao final, descobrimos (na verdade ela se descobre) que Rowlands [e "another woman", uma outra mulher.
Woody Allen
** 1/2
Aproveitei uma subita doenca para (re)ver A OUTRA, do Woody Allen, que 'e um filme que h[a tempos eu gostaria de rever. Allen eh certamente um diretor incompreendido. O filme eh comovente, porque claramente eh uma refilmagem de Morangos Silvestres, e evidencia a obsessao de Allen pelo diretor sueco. Ainda que o filme tenha inumeras referencias - que creio que nem valeria a pena enumera-las aqui - como a presenca da voz off, as cenas de sonho, o uso dos closes, etc, tambem me parece Claro que Allen
coloca o seu tempero, especialmente nos dialogos picantes ou com um certo humor. Ou seja, mesmo tentando ser Bergman parece irresistivel para Allen ser ele mesmo. Eh comovente acima de tudo quando vemos um artista tentando fazer uma homenagem a um idolo. E a forma como Allen fez essa homenagem eh bastante digna e sincera.
Claro que nao eh exatamente uma reflexao sobre o papel de se pensar outro autor - por exemplo como fez Hou em Cafe Lumiere ou Denis no seu outro filme em relacao a Ozu - mas eh uma coisa menor mesmo, uma coisa mais intima: eh a possibilidade de dar um abraco carinhoso a um mestre. Ha uma cena muito cativante nesse sentido: eh quando
uma ex-aluna aborda a professora de filosofia interpretada por Gena Rowlands num jantar, e diz a ela de maneira muito singela e elegante que ela "simplesmente mudou a sua vida" e como ela se lembra de detalhes de uma aula que, percebemos logo depois que nem a propria professora se lembra. Esse dialogo talvez seja um espelho da propria relacao de Allen com Bergman, com a diferenca que Allen por sua vez tambem eh um "mestre". Ou ainda, nos revela tudo o que estah verdadeiramente em jogo com este filme: a possibilidade de simplesmente dizer "obrigado" "sem interromper o jantar" (claro, mas ja interrompendo), isto e, de uma maneira discreta e humilde.
Mas talvez Bergman tenha funcionado para Allen mais como "aquela voz em off que vem do aparatamento vizinho, e que faz mudar a sua vida",assim como a voz da Mia Farrow invade o apartamento da escritora. Ou seja, enchendo a vida de duvidas, e de um certo mal estar. Nesse sentido, eh muito bonito quando descobrimos que, quando as duas finalmente se encontram, na verdade Rowlands eh a verdadeira paciente - fragil e carente. Ou no final quando Rowlands finalmente descobre suas fragilidades (sai da armadura de seu mundo seguro, preso aos livros que escreve, e esolve "caminhar pelas ruas", reencontrar pessoas e descobrir coisas da vida, de sua propria vida), ela n~ao ouve mais a voz de Farrow, pois esta recebeu alta. Num certo sentido, fazer esse filme representa "ganhar alta da sindrome de Bergman" que persegue Allen, embora ele tenha tido algumas "recaidas" (por exemplo, Setembro), ou melhor talvez seja admitir essa presenca para sempre (Desconstruindo Harry [e outra refilmagem de Morangos Silvestres...).
Por outro lado, A OUTRA eh um filme atual tendo em vista a filmografia de Allen porque comprova uma de suas maiores licoes: a economia de uma mise en scene. Embora um ou outro recurso pareca datado (em especial as zooms), a forma singela e habil como Allen corta dentro de uma sequencia, ou de uma sequencia para outra (ha momentos de transicao de tempo dentro do mesmo espaco, ou ainda, nas sequencias de sonho narradas em off, assim como em Morangos Silvestres) comprovam a sabedoria de Allen em fazer seu filme funcional com recursos simples mas s[abios. Ou seja, uma discreta aula de direcao, como o bom cinema americano. Por fim, me surpreendeu muito a forma sabia como Allen filma esse apartamento em que Rowlands se esconde do mundo mas ao mesmo tempo descobre o mundo (e essa descoberta vem do som, ou ainda, vem do extracampo). Isto eh, O apartamento de Tomek em que ele VE a mulher EM FRENTE agora passa a ser o apartamento de Rowlands em que ela OUVE a mulher DO LADO. Vejam que maravilhoso: [e como se o contracampo de Nao Amaras agora nao pudesse mais ser visto, mas ouvido, como uma voz interior. Linda mudanca de perspectivas pois
descobriremos no final - conforme ja escrevi antes - que Rowlands na verdade eh aquela mulher ao lado, que tera alta. Claro, pois ao final, descobrimos (na verdade ela se descobre) que Rowlands [e "another woman", uma outra mulher.
Comentários
Mas você foi muito rigoroso. Esse filme do WA é excelente e não apenas bom.
A cena do "sonho" no teatro e a sequência final do flashback são espetaculares e inesquecíveis pra mim.
Fico feliz que você reconheça em Woody Allen um mestre!
Agora quero ver aqui um texto sobre o Memórias.
Abs