Inglourious Basterds
Bastardos Inglórios
de Quentin Tarantino
Odeon 15 out 18hs
0
Acho que estou ficando irremediavelmente velho, pois confesso que achei o novo filme do Tarantino um espetáculo lamentável. Em seus filmes anteriores, e especialmente em Kill Bill (ver aqui), tudo era do campo do cinematográfico, e as estripulias visuais eram emocionantes porque faziam parte de uma declaração de amor ao cinema como espaço de liberdade e campo da imaginação. A violência era puramente gráfica e, acima de tudo, Kill Bill (como se revela no volume 2) é um filme sobre a impossibilidade da vingança, sobre uma humanização de uma saga sanguinolenta.
Já em Bastardos Inglórios Tarantino radicaliza a afirmação de Samuel Fuller que o cinema é “um campo de batalhas”. O histórico conflito entre judeus e nazistas culmina num pequeno cinema de Paris, que anteriormente passava Le Corbeau, Max Linder e outros filmes “inofensivos”. A multifacetada narrativa de combate aos nazistas culmina na sala de espetáculos, na projeção de um filme tipicamente nazista, exaltando os feitos de um “herói de guerra” nazista que, sozinho, matou cerca de 300 inimigos. Aliam-se duas frentes: os “intelectuais engajados” (a dona do cinema) (na verdade nem isso) e os “radicais terroristas” (os bastardos inglórios). As citações continuam como base de um cinema de cinefilia: desde o começo à la Sérgio Leone, em cinemascope com grandes close ups, até uma improvável Joana D´Arc queimando (também em close) nas telas do cinema, sem contar com os filmes exibidos na fachada desse cinema, e até a presença de um crítico de cinema que, obviamente quase irá estragar todos os planos de ataque (há uma piada que sugere que os nazistas foram derrotados quando a indústria cinematográfica montada por Goebbels começou a incomodar os judeus – é como se eles tivessem ido desta vez sim longe demais). Com piadas desse tipo, Tarantino faz um impensável tour de force, mexendo com “material inflamável”: mas ao invés de mexer apenas com o nitrato típico da cinefilia, Tarantino avança para uma farsa sobre o Holocausto. Acontece que Tarantino não é Kubrick, e faz um espetáculo profundamente lamentável. Existe um certo viço nas reviravoltas e na paixão com que indiscutivelmente Tarantino mexe e remexe sua narrativa, articula relações e reações, mantendo-se coerente a recursos já vistos em sua filmografia (a irreverência, o apelo cool, as cenas-limite de “um apontando armas para o outro”, os planos-sequência e as gruas no saguão do cinema, o cinema cinefílico de citações), mas acontece que aqui Tarantino vai além do cinema como lugar para a imaginação e avança para um cinema reacionário, direitista, belicista, em favor da vingança e da intolerância, um elogio à traição, ao irracionalismo e à violência como grafismo irresponsável. O cinema passa a ser transportado da tela para a vida ao avesso, como vingança não só provável como necessária: os dois bastardos atirando nos nazistas encurralados, dois sozinhos matando “350 pessoas”, ou a lotação do cinema, como avesso da saga do herói vista na tela (tela dentro da tela, cinema dentro do cinema). Não há crítica ao desejo insano de “tirar o escalpo” dos inimigos – como havia por exemplo mesmo nos filmes de John Ford – apenas a diversão anárquica, as gargalhadas dos espectadores que ecoam diante do espetáculo cool. Quando Fuller afirmava que o “cinema é um campo de batalhas”, aponta para as tensões do poder e a natureza humana, mas nunca transformou isso num espetáculo de vaidades (é só ver Agonia e Glória, por exemplo). Usando armas nazistas para denunciar os mesmos nazistas passa a impressão que Tarantino se aproxima pela oposição, um corpo estranho numa América que tenta (ainda que timidamente) se desarmar e escapar de sua inclinação imperialista, num espetáculo extremamente duvidoso.
de Quentin Tarantino
Odeon 15 out 18hs
0
Acho que estou ficando irremediavelmente velho, pois confesso que achei o novo filme do Tarantino um espetáculo lamentável. Em seus filmes anteriores, e especialmente em Kill Bill (ver aqui), tudo era do campo do cinematográfico, e as estripulias visuais eram emocionantes porque faziam parte de uma declaração de amor ao cinema como espaço de liberdade e campo da imaginação. A violência era puramente gráfica e, acima de tudo, Kill Bill (como se revela no volume 2) é um filme sobre a impossibilidade da vingança, sobre uma humanização de uma saga sanguinolenta.
Já em Bastardos Inglórios Tarantino radicaliza a afirmação de Samuel Fuller que o cinema é “um campo de batalhas”. O histórico conflito entre judeus e nazistas culmina num pequeno cinema de Paris, que anteriormente passava Le Corbeau, Max Linder e outros filmes “inofensivos”. A multifacetada narrativa de combate aos nazistas culmina na sala de espetáculos, na projeção de um filme tipicamente nazista, exaltando os feitos de um “herói de guerra” nazista que, sozinho, matou cerca de 300 inimigos. Aliam-se duas frentes: os “intelectuais engajados” (a dona do cinema) (na verdade nem isso) e os “radicais terroristas” (os bastardos inglórios). As citações continuam como base de um cinema de cinefilia: desde o começo à la Sérgio Leone, em cinemascope com grandes close ups, até uma improvável Joana D´Arc queimando (também em close) nas telas do cinema, sem contar com os filmes exibidos na fachada desse cinema, e até a presença de um crítico de cinema que, obviamente quase irá estragar todos os planos de ataque (há uma piada que sugere que os nazistas foram derrotados quando a indústria cinematográfica montada por Goebbels começou a incomodar os judeus – é como se eles tivessem ido desta vez sim longe demais). Com piadas desse tipo, Tarantino faz um impensável tour de force, mexendo com “material inflamável”: mas ao invés de mexer apenas com o nitrato típico da cinefilia, Tarantino avança para uma farsa sobre o Holocausto. Acontece que Tarantino não é Kubrick, e faz um espetáculo profundamente lamentável. Existe um certo viço nas reviravoltas e na paixão com que indiscutivelmente Tarantino mexe e remexe sua narrativa, articula relações e reações, mantendo-se coerente a recursos já vistos em sua filmografia (a irreverência, o apelo cool, as cenas-limite de “um apontando armas para o outro”, os planos-sequência e as gruas no saguão do cinema, o cinema cinefílico de citações), mas acontece que aqui Tarantino vai além do cinema como lugar para a imaginação e avança para um cinema reacionário, direitista, belicista, em favor da vingança e da intolerância, um elogio à traição, ao irracionalismo e à violência como grafismo irresponsável. O cinema passa a ser transportado da tela para a vida ao avesso, como vingança não só provável como necessária: os dois bastardos atirando nos nazistas encurralados, dois sozinhos matando “350 pessoas”, ou a lotação do cinema, como avesso da saga do herói vista na tela (tela dentro da tela, cinema dentro do cinema). Não há crítica ao desejo insano de “tirar o escalpo” dos inimigos – como havia por exemplo mesmo nos filmes de John Ford – apenas a diversão anárquica, as gargalhadas dos espectadores que ecoam diante do espetáculo cool. Quando Fuller afirmava que o “cinema é um campo de batalhas”, aponta para as tensões do poder e a natureza humana, mas nunca transformou isso num espetáculo de vaidades (é só ver Agonia e Glória, por exemplo). Usando armas nazistas para denunciar os mesmos nazistas passa a impressão que Tarantino se aproxima pela oposição, um corpo estranho numa América que tenta (ainda que timidamente) se desarmar e escapar de sua inclinação imperialista, num espetáculo extremamente duvidoso.
Comentários
Comecei, também, a escrever, mas ainda não terminei. Minha dúvida em relaçãi aos "Bastardos" vem exatamente daí.
Há diferença, se o crime foi contra a humanidade? Não importa o lado, mas a ação.
Inclusive, com requintes de crueldade, como nazistas acuados no cinema, algo muito semelhante às câmaras de gás.
Uma vingança totalmente desnecessária. Mesmo que um filme de Tarantino, e o rótulo vale a qualidade.
e sim, anistia geral, ampla e irrestrita pois afinal, todos os envolvidos cometeram seus erros.
ah, claro, o último chavão, repitam comigo: violência gera violência.
bons meninos.
Creio que o Tarantino, neste filme, se valeu de uma ironia maior do que o que fica politicamente óbvio. Na verdade, acho que ele foi além do político (EUA x Nazis) e criou uma visão estética. Tanto, que ele distorceu os fatos. Hitler NÃO morreu em um ataque norte-americano. E Quentin não teria deixado isso claro só por questão de beleza: ele deixou claro que não se deve ver o filme dele de forma tão óbvia.
Há, ao lado do HUMOR - que perpassa todo o filme aliás -, uma estética cinematográfica que alia tomadas de câmera cheia de close ups (que beiram o limite das pin-ups) a homenagens a grandes diretores de cinema (como Soshanna toda em vermelho) e a uma volta da força do gênero ficção - o qual recentemente andava um pouco em baixa.
Por fim, repito que é apenas uma opinião minha. Não desrespeito a opinião do dono do blog - pelo contrário, achei-a interessante. Mas os pontos levantados acima me fazem ainda pensar...
Um abraço,
Rafael