(FestRio) Singularidades de uma Rapariga Loura
Singularidades de uma Rapariga Loura
de Manoel de Oliveira
**
Este novo filme de Manoel de Oliveira começa com um longo plano com câmera parada, mostrando um fiscal que recolhe ingressos e os confere, no vagão de um trem. Por sobre esta imagem, passam os créditos iniciais do filme. Esta imagem não deixa de ter uma relação íntima com o próprio processo cinematográfico, como se o fiscal do trem fosse o próprio fiscal do cinema, conferindo os ingressos de entrada no mesmo instante em que nos sentamos e nos preparamos para a sessão.
Nesse trem o protagonista da história viaja, e enquanto viaja, conta sua história de vida a uma passageira ao lado. Enquanto narra a história a ela, o filme se faz diante de nós, de forma que nós os espectadores somos como essa companheira de viagem do protagonista, que escuta sua história apenas do seu ponto de vista.
Esse trem ( o mesmo trem dos Irmãos Lumière) é o próprio cinema, que nos leva numa viagem, enquanto a passageira observa pela janela, e ouve a história de seu companheiro de poltrona.
É através desse jogo de espelhos entre o narrar e o fazer que Singularidades de uma Rapariga Loura se desenvolve, como um típico filme de Manoel de Oliveira. O protagonista, representado por Ricardo Trepa, neto do diretor, se apaixona por uma imagem, por trás de uma janela, que ele vê e nutre uma obsessão doentia, uma paixão mórbida, quase como um Janela Indiscreta. Novamente temos a impressão que a história se passa num lugar e num tempo estranhos, por um lado contemporâneo (as externas, as vitrines das lojas, o som dos carros), por outro, como um filme de época (os figurinos, a direção de arte e a decoração das casas, a forma impostada como as pessoas se relacionam).
Aos mais de 100 anos de idade, Manoel de Oliveira desafia o tempo e a morte em mais um filme típico de sua singular filmografia. O mistério do amor, as mulheres falsamente indefesas, as possíveis femme fatales, a decadência da aristocracia portuguesa, o princípio de uma incerteza, a improbabilidade e a inevitabilidade do amor, tema medieval e contemporâneo, um cinema antigo e atual, um enigma. Gostaria que Mestre Oliveira filmasse Capitu e seus olhos de ressaca, Um cinema econômico, falsamente simples, cristalino. As imagens escondem tanto quanto revelam, assim como o ligeiro véu por trás da cortina sob a qual a mulher da janela se esconde e se desvela. Nada sabemos sobre ela e ao mesmo tempo sabemos tudo: “isto é tudo sobre o amor”, como diria Magda para o jovem Tomek em Não Amarás, de Kieslowski.
No final, o trem continua sua viagem, sem que chegue ao destino programado. É apenas parte de uma longa viagem vida adentro.
de Manoel de Oliveira
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Este novo filme de Manoel de Oliveira começa com um longo plano com câmera parada, mostrando um fiscal que recolhe ingressos e os confere, no vagão de um trem. Por sobre esta imagem, passam os créditos iniciais do filme. Esta imagem não deixa de ter uma relação íntima com o próprio processo cinematográfico, como se o fiscal do trem fosse o próprio fiscal do cinema, conferindo os ingressos de entrada no mesmo instante em que nos sentamos e nos preparamos para a sessão.
Nesse trem o protagonista da história viaja, e enquanto viaja, conta sua história de vida a uma passageira ao lado. Enquanto narra a história a ela, o filme se faz diante de nós, de forma que nós os espectadores somos como essa companheira de viagem do protagonista, que escuta sua história apenas do seu ponto de vista.
Esse trem ( o mesmo trem dos Irmãos Lumière) é o próprio cinema, que nos leva numa viagem, enquanto a passageira observa pela janela, e ouve a história de seu companheiro de poltrona.
É através desse jogo de espelhos entre o narrar e o fazer que Singularidades de uma Rapariga Loura se desenvolve, como um típico filme de Manoel de Oliveira. O protagonista, representado por Ricardo Trepa, neto do diretor, se apaixona por uma imagem, por trás de uma janela, que ele vê e nutre uma obsessão doentia, uma paixão mórbida, quase como um Janela Indiscreta. Novamente temos a impressão que a história se passa num lugar e num tempo estranhos, por um lado contemporâneo (as externas, as vitrines das lojas, o som dos carros), por outro, como um filme de época (os figurinos, a direção de arte e a decoração das casas, a forma impostada como as pessoas se relacionam).
Aos mais de 100 anos de idade, Manoel de Oliveira desafia o tempo e a morte em mais um filme típico de sua singular filmografia. O mistério do amor, as mulheres falsamente indefesas, as possíveis femme fatales, a decadência da aristocracia portuguesa, o princípio de uma incerteza, a improbabilidade e a inevitabilidade do amor, tema medieval e contemporâneo, um cinema antigo e atual, um enigma. Gostaria que Mestre Oliveira filmasse Capitu e seus olhos de ressaca, Um cinema econômico, falsamente simples, cristalino. As imagens escondem tanto quanto revelam, assim como o ligeiro véu por trás da cortina sob a qual a mulher da janela se esconde e se desvela. Nada sabemos sobre ela e ao mesmo tempo sabemos tudo: “isto é tudo sobre o amor”, como diria Magda para o jovem Tomek em Não Amarás, de Kieslowski.
No final, o trem continua sua viagem, sem que chegue ao destino programado. É apenas parte de uma longa viagem vida adentro.
Comentários
interessante constar que o primeiro filme do esmir tem mais estrelas que o do oliveira rs. é porque ele é melhor mesmo ou temos que levar outras coisas em consideração.
sua pergunta provocativa parte de um falso dilema. Devemos estar abertos a tudo que nos vem, e não cristalizar determinadas coisas que já vimos. Pergunto a você: por que não? Acho que Singularidades é um filme menor do Oliveira, apesar de sempre fascinante. Por outro lado, só de provocação, segundo as minhas estrelinhas, o melhor filme de todo o festival foi o do Esmir Filho. Na verdade, eu lhe diria que o filme que mais ficou na minha cabeça passados esses dias é o O Pai dos Meus Filhos, mas vou tentar escrever algo sobre isso.