(FestRio) Parte 0: Um Prólogo: Lentidão
Vocês devem ter reparado que esse blog tem mostrado uma certa lentidão em acompanhar o frenético ritmo do Festival do Rio. Lembro bem que em outros anos, no primeiro dia do Festival, já havia pelo menos cinco críticas escritas e postadas no meu então site – e isso chegava a criar ciúmes na “concorrência”, que achava absurdo uma pessoa sozinha escrever mais que um grupo reunido, o que logo era replicado que era porque eu escrevia mal, de forma torta. Hoje considero isso como um elogio, e acho graça desses quiproquós juvenis. Não que hoje eu me ache mais maduro, ou menos juvenil. Não mesmo. Mas hoje não sinto mais a necessidade – física até – de estar “atualizado” com o que está sendo exibido no maior festival de cinema do Rio de Janeiro. Não tenho essa motivação. Perscruto de longe, de soslaio, (aliás mesmo naquela época sempre observei tudo com uma certa distância) as conversas dos jovens críticos ou cinéfilos, listando as próximas dezenas de filmes a serem vistos. Vejo isso com uma certa nostalgia mas com um certo alívio. Pois hoje nutro uma certa desconfiança em relação a esse consumo frenético de bens culturais, mas me lembro de que essa pode ser uma necessidade íntima e verdadeira, e não necessariamente exibicionista.
Particularmente neste ano o Festival me pega num momento em que estou cansado e com outras preocupações. Numa fase em que ando repensando a vida e minhas próprias motivações. Mas exatamente nesse momento os poucos filmes que tenho visto tem me dado a oportunidade de refletir sobre o significado de tudo isso. O cinema possui esse aspecto mágico, que para mim sempre foi no fundo a minha grande motivação em conhecer mais o cinema: a possibilidade de ver um filme como um espelho íntimo do mundo, em que no fundo é possível ver a si mesmo espelhado, como se fosse um reflexo de si mesmo, como um outro que é uma dobra de nós, e que, por sua vez, também se dobra para dentro de nós. Essa inflexão é um encontro com o outro, sempre, mas é como se esse outro fosse numa certa medida uma dobra de nós mesmos.
Os textos que escrevo são essencialmente um prolongamento desse encontro, um encontro comigo mesmo, um encontro com o outro. Encontro este que, a partir desse prolongamento, pode gerar outros e novos encontros, que se desdobram e se multiplicam, ainda que não saibamos exatamente que espécie de encontros eles irão gerar. Desdobramentos que fogem do nosso controle, cujos efeitos não são programados, são indizíveis. Prolongamentos maiúsculos ou minúsculos, dependendo de como são vistos. Dessa forma, penso esses textos como gestos, como mensagens lançadas dentro de uma garrafa num mar quase sempre sereno, aparentemente indiferente. Esse gesto implica que não estou sozinho, porque quando lanço essas mensagens parto do princípio que existe um outro, ainda que esta garrafa não necessariamente encontre algum interlocutor. Não me preocupo com isso: preocupo-me mais com a importância desse gesto. Não me importar com isso não significa que não me importe com esse interlocutor (muito pelo contrário), mas que a validade desse gesto não depende exclusivamente da extensão do seu recebimento.
Mas aqui confesso que estas linhas acabam se contaminando com o que penso para os meus próprios filmes, o que vai além do que sinto pulsar quando escrevo os meus textos neste blog. Escrevo de forma solitária exatamente para afirmar que não estou sozinho. Mas estou me desviando do meu tema principal. O que quero dizer é que nesta época de cansaço tenho cruzado com poucos filmes neste Festival do Rio mas que me fazem reavaliar, em maior ou menor grau, o que penso e sinto em relação ao cinema e à vida. E como é bom ter a oportunidade de cruzar com filmes que nos digam tanto, de forma verdadeira e generosa, a respeito de algumas das dificuldades, algumas das questões, alguns dos desafios que passam pela tarefa nada trivial de tentar “dizer algo”, “comunicar algo”, “expressar algo”, que possa ter algum sentido nesse mundo dominado pelas superfícies, pelas aparências, pelas futilidades, pelo domínio do automatismo, da intolerância e da intransigência.
Quando vejo alguns desses filmes, me sinto menos despreparado para tentar enfrentar o enorme desafio que é estar no mundo.
Particularmente neste ano o Festival me pega num momento em que estou cansado e com outras preocupações. Numa fase em que ando repensando a vida e minhas próprias motivações. Mas exatamente nesse momento os poucos filmes que tenho visto tem me dado a oportunidade de refletir sobre o significado de tudo isso. O cinema possui esse aspecto mágico, que para mim sempre foi no fundo a minha grande motivação em conhecer mais o cinema: a possibilidade de ver um filme como um espelho íntimo do mundo, em que no fundo é possível ver a si mesmo espelhado, como se fosse um reflexo de si mesmo, como um outro que é uma dobra de nós, e que, por sua vez, também se dobra para dentro de nós. Essa inflexão é um encontro com o outro, sempre, mas é como se esse outro fosse numa certa medida uma dobra de nós mesmos.
Os textos que escrevo são essencialmente um prolongamento desse encontro, um encontro comigo mesmo, um encontro com o outro. Encontro este que, a partir desse prolongamento, pode gerar outros e novos encontros, que se desdobram e se multiplicam, ainda que não saibamos exatamente que espécie de encontros eles irão gerar. Desdobramentos que fogem do nosso controle, cujos efeitos não são programados, são indizíveis. Prolongamentos maiúsculos ou minúsculos, dependendo de como são vistos. Dessa forma, penso esses textos como gestos, como mensagens lançadas dentro de uma garrafa num mar quase sempre sereno, aparentemente indiferente. Esse gesto implica que não estou sozinho, porque quando lanço essas mensagens parto do princípio que existe um outro, ainda que esta garrafa não necessariamente encontre algum interlocutor. Não me preocupo com isso: preocupo-me mais com a importância desse gesto. Não me importar com isso não significa que não me importe com esse interlocutor (muito pelo contrário), mas que a validade desse gesto não depende exclusivamente da extensão do seu recebimento.
Mas aqui confesso que estas linhas acabam se contaminando com o que penso para os meus próprios filmes, o que vai além do que sinto pulsar quando escrevo os meus textos neste blog. Escrevo de forma solitária exatamente para afirmar que não estou sozinho. Mas estou me desviando do meu tema principal. O que quero dizer é que nesta época de cansaço tenho cruzado com poucos filmes neste Festival do Rio mas que me fazem reavaliar, em maior ou menor grau, o que penso e sinto em relação ao cinema e à vida. E como é bom ter a oportunidade de cruzar com filmes que nos digam tanto, de forma verdadeira e generosa, a respeito de algumas das dificuldades, algumas das questões, alguns dos desafios que passam pela tarefa nada trivial de tentar “dizer algo”, “comunicar algo”, “expressar algo”, que possa ter algum sentido nesse mundo dominado pelas superfícies, pelas aparências, pelas futilidades, pelo domínio do automatismo, da intolerância e da intransigência.
Quando vejo alguns desses filmes, me sinto menos despreparado para tentar enfrentar o enorme desafio que é estar no mundo.
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