Samma no aji

A rotina tem seu encanto
De Yasujiro Ozu
MAM sab 07 16hs
*** ½


O último filme de Ozu revela uma característica cada vez mais presente em seus últimos filmes: o humor. Assim como Bom Dia, outro filme em cores, o humor, o colorido, constribuem no entanto para dar ao filme um tom extremamente particular de leve melancolia. Mais uma vez, o drama principal está no casamento de uma filha, o que deixaria o pai viúvo solitário. No entanto, o desenvolvimento narrativo de “Tarde de outono” – traduzido no Brasil com o título sugestivo de “A rotina tem seu encanto” mas distante da sutileza dos movimentos cíclicos, e da “identidade na diferença” típica de vários títulos da filmografia de Ozu – está todo centrado na tomada de consciência desse pai da inevitabilidade de sua solidão, ou ainda, na necessidade que sua filha case e tome seu próprio caminho. A costumeira maestria de Ozu está em combinar, de forma absolutamente singular, a complexidade (ou melhor, a profundidade) desta reflexão sobre o ciclo da vida e a importância da família, e a simplicidade do uso dos elementos de linguagem (câmeras estáticas, cores em geral primárias, câmeras baixas, uma única lente de 50mm). Simplicidade evidentemente apenas aparente, pois essa simplificação representa um caminho extremamente sofisticado, apurado ao longo de décadas em busca de uma depuração radical de estilo, como se pode observar por exemplo na original convenção de espaço e de decupagem nas cenas do escritório, em que a gramática de Ozu se afasta do modelo clássico de campo-contracampo – ou mesmo de eixo – da narrativa clássica norte-americana. Se à medida em que Ozu vai envelhecendo, ele vai cedendo ao humor, esse recurso aprofunda sua serena melancolia, uma consciência que “não se pertence aos novos tempos, mas que ainda assim, é preciso deixá-lo para trás e caminhar para frente, sempre para frente”. Esse cunho decadentista, que pode até nos fazer associar a Visconti, é também associado às transformações de um Japão pós-guerra, nas influências ocidentais vistas através das fachadas de neon do “Torys bar” e de outros em seus arredores, onde o “capitão” e seu antigo comandado relembram os tempos da guerra, prendem-se a antigas recordações. Hirayama (mais uma vez Chishu Ryu, em performance definitiva) volta ao bar talvez porque a atendente o lembre de sua esposa falecida, ou mesmo para ouvir o antigo hino de guerra, entremeado por algumas doses de uísque. Seu destino parece cada vez mais próximo do do Professor Cabaça, bêbado e solitário. Independentemente de sua filha se casar ou não, ao final ele se transforma no Prof Cabaça, não porque sua vida tenha sido particularmente um fracasso mas simplesmente porque esse é o destino inexorável dos homens: assim como a natureza, as estações do ano (volto ao título) ou as frutas, o ser humano cresce, amadurece e apodrece (como diria o sambista Manacéa – ver aqui). A dignidade de viver passa pela serenidade em acompanhar esse apodrecimento sem impedir o adequado florescimento de novos frutos. A serenidade, o equilíbrio, a precisão com que Ozu desenvolve essa “ingrata tarefa” tem a marca inconfundível do mais típico dos diretores japoneses.

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