Encarnação do Demônio
Encarnação do Demônio
de José Mojica Marins
Odeon qui 14 19:10
**
Por incrível que possa parecer, o meu sentimento em relação a Encarnação do Demônio foi o da emoção. “Esse mesmo sistema que me aprisionou não tem a força para conseguir deter aquele que pode representar a destruição desse sistema”. “Enfim, de volta ao mundo.” Quarenta anos depois. O início do filme, que mostra o personagem Zé do Caixão de novo “de volta ao mundo”, remete claramente à própria trajetória de “prisão” do cineasta: quarenta anos de privação em fechar sua trilogia, iniciada em 1964 com À Meia-Noite Levarei Sua Alma e continuada em 1967 com Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. Trinta anos sem poder realizar um projeto decente de longa-metragem (considero seu último filme de fato o Delírios de um Anormal, em 1978). Mas após esse tempo de “prisão”, a volta de Zé do Caixão rebate o que temíamos: que o diretor poderia ter parado no tempo. Isso é claramente refutado ao longo do filme: um cinema com um certo viés de mercado, mas adaptado à sua nova condição de cinema “cult”, dialogando (a grosso modo) com os filmes de Corman, Bava e Argento, aproveitando a seu favor (e não como opressão a uma expressão pessoal, como foi o caso recente da parceria Diler-Ivan Cardoso) toda a estrutura de produção dos Gullane e o apoio fundamental de Paulo Sacramento. Mas acima de tudo a principal associação da “nova geração” é a presença marcante de Dennison Ramalho, especialmente no requinte visual, na plasticidade das imagens, que nos remetem ao último curta de Dennison, Amor Só de Mãe.
Quarenta anos depois, Zé do Caixão volta com uma nova roupagem, mas apesar disso não se quer esconder as marcas do passado, as marcas de um envelhecimento. O filme é justamente sobre esse envelhecimento, e isso é o que o faz (pelo menos para mim) emocionante. Os trechos dos dois episódios anteriores da trilogia só comprovam como agora Zé do Caixão está envelhecido, e o filme não faz questão de esconder isso: a barba branca, a dificuldade de locomoção, a companhia do coveiro. O encanto da liberdade do retorno de Zé do Caixão (a liberdade visual, a sedução em realizar as cenas de terror, o realismo – até diria hiper-realismo – dos ganchos pendurados, do sangue [alguém lembrou de Coração Satânico?], dos insetos nojentos e das bocas sendo costuradas) entra em contraste com a necessidade de perpetuação, com a sensação de proximidade de um fim. Os fantasmas o atormentam, ainda que ele continue repetindo que tudo é pura ilusão, que os fantasmas sejam apenas “da nossa cabeça”.
Zé do Caixão procura a mulher perfeita para fazer nela um filho. O filme acaba numa sequência bonita, num trem fantasma com um jogo de espelhos, uma clara homenagem ao A Dama de Shangai, de Orson Welles. Ainda, um último suspiro (post-mortem) em busca do amor. Encarnação do Demônio é um filme sobre o amor, um filme sobre a possibilidade de voltar para o mundo, um filme sobre o sentimento que “nunca ainda é tarde demais”. Se ele foi bem-sucedido na tarefa de se perpetuar (haverá um seguidor no cinema brasileiro de Zé do Caixão?), isso já é matéria de um próximo filme (ou melhor, do futuro).
de José Mojica Marins
Odeon qui 14 19:10
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Por incrível que possa parecer, o meu sentimento em relação a Encarnação do Demônio foi o da emoção. “Esse mesmo sistema que me aprisionou não tem a força para conseguir deter aquele que pode representar a destruição desse sistema”. “Enfim, de volta ao mundo.” Quarenta anos depois. O início do filme, que mostra o personagem Zé do Caixão de novo “de volta ao mundo”, remete claramente à própria trajetória de “prisão” do cineasta: quarenta anos de privação em fechar sua trilogia, iniciada em 1964 com À Meia-Noite Levarei Sua Alma e continuada em 1967 com Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. Trinta anos sem poder realizar um projeto decente de longa-metragem (considero seu último filme de fato o Delírios de um Anormal, em 1978). Mas após esse tempo de “prisão”, a volta de Zé do Caixão rebate o que temíamos: que o diretor poderia ter parado no tempo. Isso é claramente refutado ao longo do filme: um cinema com um certo viés de mercado, mas adaptado à sua nova condição de cinema “cult”, dialogando (a grosso modo) com os filmes de Corman, Bava e Argento, aproveitando a seu favor (e não como opressão a uma expressão pessoal, como foi o caso recente da parceria Diler-Ivan Cardoso) toda a estrutura de produção dos Gullane e o apoio fundamental de Paulo Sacramento. Mas acima de tudo a principal associação da “nova geração” é a presença marcante de Dennison Ramalho, especialmente no requinte visual, na plasticidade das imagens, que nos remetem ao último curta de Dennison, Amor Só de Mãe.
Quarenta anos depois, Zé do Caixão volta com uma nova roupagem, mas apesar disso não se quer esconder as marcas do passado, as marcas de um envelhecimento. O filme é justamente sobre esse envelhecimento, e isso é o que o faz (pelo menos para mim) emocionante. Os trechos dos dois episódios anteriores da trilogia só comprovam como agora Zé do Caixão está envelhecido, e o filme não faz questão de esconder isso: a barba branca, a dificuldade de locomoção, a companhia do coveiro. O encanto da liberdade do retorno de Zé do Caixão (a liberdade visual, a sedução em realizar as cenas de terror, o realismo – até diria hiper-realismo – dos ganchos pendurados, do sangue [alguém lembrou de Coração Satânico?], dos insetos nojentos e das bocas sendo costuradas) entra em contraste com a necessidade de perpetuação, com a sensação de proximidade de um fim. Os fantasmas o atormentam, ainda que ele continue repetindo que tudo é pura ilusão, que os fantasmas sejam apenas “da nossa cabeça”.
Zé do Caixão procura a mulher perfeita para fazer nela um filho. O filme acaba numa sequência bonita, num trem fantasma com um jogo de espelhos, uma clara homenagem ao A Dama de Shangai, de Orson Welles. Ainda, um último suspiro (post-mortem) em busca do amor. Encarnação do Demônio é um filme sobre o amor, um filme sobre a possibilidade de voltar para o mundo, um filme sobre o sentimento que “nunca ainda é tarde demais”. Se ele foi bem-sucedido na tarefa de se perpetuar (haverá um seguidor no cinema brasileiro de Zé do Caixão?), isso já é matéria de um próximo filme (ou melhor, do futuro).
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