um olhar sobre o Festival de BH
O olhar da câmera de Encanto observa menos os pássaros do que o olhar dos homens, “donos” dos pássaros. De que lado a câmera está? Estática, a princípio ela parece estar do lado dos pássaros, presos em sua gaiola. No entanto, os pássaros têm muito mais movimento que esses homens: movimento lépido dentro dos exíguos limites dados pela gaiola, movimento da modulação de seus timbres sonoros (movimento dado pela beleza, movimento de espírito). Os homens, velhos, parece que aguardam a hora de morrer, e observam, estáticos, a beleza do canto dos pássaros, a qual eles tentam decifrar, em vão. De que lado então a câmera está? Ao observar esse olhar admirado mas inerte (extático e estático), a câmera parece ocupar uma distância justa, compartilhando de uma intimidade e inserindo um distanciamento crítico, que é o que nos permite afirmar que Encanto (um olhar sobre um olhar) é um filme sobre a (im)possibilidade de viver em liberdade e sobre (os limites d)a fruição do belo.
Ismar é um falso título (percebam, não um título falso), pois esse curta não é sobre o personagem-titulo e sim sobre o que a mídia faz com as pessoas, ou ainda, como a mídia usa o espetáculo para banalizar o sonho das pessoas. Imagens para falar de imagens, “discurso” para falar de “discursos”, Ismar se utiliza das imagens de arquivo com força inegável porque opta em mostrar mais do que em dizer. Mas a grande virtude de Ismar me parece ser a de não construir um discurso de vitimização ou de mera crítica negativa a um sistema: seu enfoque intimista resgata justamente a possibilidade do indivíduo (ou talvez em última instância a possibilidade própria do cinema contra a TV) transcender a exploração da imagem através do sonho (isto é, como se pode ver pelo seu sugestivo final, Ismar também é sobre a liberdade do canto dos pássaros).
Peiote é um trabalho menor dentro da vistosa filmografia de Cao Guimarães. No entanto, por outro lado, é um trabalho formidável exatamente pela sua possibilidade de ser “menor”, por ser um trabalho de enorme coerência e continuidade com muitos dos seus temas, em especial os de Da Janela do meu quarto: o acaso transformado pela lente da câmera, o balé dos corpos que transfigura o documentário quase como uma peça de ficção, um filme documentário ou uma video-dança, a textura do Super8 e a idéia de duração, o final como tentativa de desfecho ficcional, a ingenuidade criativa do mundo das crianças, etc.
A polêmica premiação do Festival de BH apontou para um conjunto de descontentamentos (de uma parte e de outra), mas talvez o prêmio mais equivocado tenha sido o de melhor filme mineiro para o Casa de Máquinas. Não que o filme seja um equívoco total, ao contrário, sua boa realização é incontestável, mas ele representa tudo o que o bom cinema mineiro não pretende ser: por trás de sua excelência técnica no manejo dos recursos da animação, Casa de Máquinas fala de uma complexa estrutura que funciona quase como um autômato, retroalimentando a continuação do seu processo, eminentemente mecânico. Frio, tecnicista, mecanicista, é o avesso do melhor cinema mineiro, que vem se consagrando através da busca pelo risco, pela vida, pela poesia.
Por outro lado, há um trabalho singelo, lúdico, em direto diálogo com o cinema mineiro e a videoarte, que é o Miravento. A fabricação de um artefato não assume o papel tecnicista e mecanicista de Casa de Máquinas, mas, ao contrário, o que importa aqui é um mergulho em um cinema poético em que o percurso e o processo revelam-se quase como que matérias-primas básicas para sua feição (isto é, é um curta sobre o seu próprio processo de criação, uma metalinguagem), além de permitir uma rica integração com um espaço físico (uma natureza) que o faz assumir outras proporções, maiores que o simples funcionamento deste artefato. Ou seja, é o antípoda de Casa de Máquinas.
Há outros curtas de méritos indiscutíveis, como Tarabatara, Décimo Segundo, Um Ramo, Areia, Sentinela, Ocidente e Convite para Jantar com o Camarada Stalin (não vi Satori Urso e minha relativa admiração por Trópico das Cabras vai diminuindo), mas sobre eles creio que já falei anteriormente, ou se não falei, eles já foram falados quase que o suficiente.
Ismar é um falso título (percebam, não um título falso), pois esse curta não é sobre o personagem-titulo e sim sobre o que a mídia faz com as pessoas, ou ainda, como a mídia usa o espetáculo para banalizar o sonho das pessoas. Imagens para falar de imagens, “discurso” para falar de “discursos”, Ismar se utiliza das imagens de arquivo com força inegável porque opta em mostrar mais do que em dizer. Mas a grande virtude de Ismar me parece ser a de não construir um discurso de vitimização ou de mera crítica negativa a um sistema: seu enfoque intimista resgata justamente a possibilidade do indivíduo (ou talvez em última instância a possibilidade própria do cinema contra a TV) transcender a exploração da imagem através do sonho (isto é, como se pode ver pelo seu sugestivo final, Ismar também é sobre a liberdade do canto dos pássaros).
Peiote é um trabalho menor dentro da vistosa filmografia de Cao Guimarães. No entanto, por outro lado, é um trabalho formidável exatamente pela sua possibilidade de ser “menor”, por ser um trabalho de enorme coerência e continuidade com muitos dos seus temas, em especial os de Da Janela do meu quarto: o acaso transformado pela lente da câmera, o balé dos corpos que transfigura o documentário quase como uma peça de ficção, um filme documentário ou uma video-dança, a textura do Super8 e a idéia de duração, o final como tentativa de desfecho ficcional, a ingenuidade criativa do mundo das crianças, etc.
A polêmica premiação do Festival de BH apontou para um conjunto de descontentamentos (de uma parte e de outra), mas talvez o prêmio mais equivocado tenha sido o de melhor filme mineiro para o Casa de Máquinas. Não que o filme seja um equívoco total, ao contrário, sua boa realização é incontestável, mas ele representa tudo o que o bom cinema mineiro não pretende ser: por trás de sua excelência técnica no manejo dos recursos da animação, Casa de Máquinas fala de uma complexa estrutura que funciona quase como um autômato, retroalimentando a continuação do seu processo, eminentemente mecânico. Frio, tecnicista, mecanicista, é o avesso do melhor cinema mineiro, que vem se consagrando através da busca pelo risco, pela vida, pela poesia.
Por outro lado, há um trabalho singelo, lúdico, em direto diálogo com o cinema mineiro e a videoarte, que é o Miravento. A fabricação de um artefato não assume o papel tecnicista e mecanicista de Casa de Máquinas, mas, ao contrário, o que importa aqui é um mergulho em um cinema poético em que o percurso e o processo revelam-se quase como que matérias-primas básicas para sua feição (isto é, é um curta sobre o seu próprio processo de criação, uma metalinguagem), além de permitir uma rica integração com um espaço físico (uma natureza) que o faz assumir outras proporções, maiores que o simples funcionamento deste artefato. Ou seja, é o antípoda de Casa de Máquinas.
Há outros curtas de méritos indiscutíveis, como Tarabatara, Décimo Segundo, Um Ramo, Areia, Sentinela, Ocidente e Convite para Jantar com o Camarada Stalin (não vi Satori Urso e minha relativa admiração por Trópico das Cabras vai diminuindo), mas sobre eles creio que já falei anteriormente, ou se não falei, eles já foram falados quase que o suficiente.
Comentários