HOTEL MONTEREY

Hotel Monterey
de Chantal Akerman
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Finalmente chegou até a mim uma cópia de Hotel Monterey, o primeiro longa da Chantal Akerman, que era simplesmente uma das minhas maiores esperas desse ano (junto com Não Reconciliados, do casal Straub-Huillet, que espero que os meus preguiçosos amigos cearenses façam a gentileza de me mandar logo…). E, uau, o que nos encanta é acima de tudo, presenciar “o mito do primeiro filme”: a total consciência de linguagem e de vida de uma realizadora, que já sabia o que queria desde o primeiro filme. É impressionante como vendo Hotel Monterey entendemos cada vez mais o caminho singular dessa notável realizadora, infelizmente pouco conhecida no Brasil. Hotel Monterey, News From Home, e depois D´Est são três filmes que formam um percurso de notável originalidade no campo cinematográfico. Os dois primeiros estão mais ligados por serem filmados nos Estados Unidos e em um período mais próximo (1972 e 1976, respectivamente), mas D´Est certamente é a quintessência do cinema da Chantal Akerman, em expandir os limites do documentário para percorrer um espaço físico com planos longos e uma estética minimalista. Ou seja, ao mesmo tempo em que em Hotel Monterey a cineasta já apresenta um estilo maduro de cinema, por outro lado os filmes seguintes mostram um caminho de continuidade em relação aos desafios propostos em seu primeiro filme.

Hotel Monterey a princípio se assemelha a um documentário sobre o Hotel Monterey, um hotel barato no bairro de Manhattan, Estados Unidos. Influenciada por um lado pela vanguarda estrutralista cinematográfica americana da época (especialmente Michael Snow) e por outro pela iconografia americana de pintores como Edward Hopper, Chantal Akerman vai além dessa proposta primeira: mais que retratar o cotidiano do hotel, Akerman se preocupa em extrair um retrato austero e metafísico do estabelecimento, que surge especialmente a partir de um desvelamento íntimo e profundo de sua geografia física. A partir de uma linguagem seca, com planos extremamente longos e com a ausência de som, Akerman, paradoxalmente atinge um olhar pessoal e íntimo pelas entranhas desse hotel.

Didaticamente, podemos dividir o filme em quatro partes: i) hóspedes e pavimentos pelo elevador; ii) quartos; iii) corredores; iv) o “entorno” do hotel. Não há entrevistas com funcionários ou hóspedes, nem a preocupação de mostrar seu funcionamento: o hotel surge como arquitetura, imponente como um vulto fantasmagórico. O cinema de Chantal Akerman é puramente um cinema do tempo e do espaço. O excepcional trabalho de fotografia (em cores) e câmera de Babette Mangolte (que trabalhou com a diretora em diversos outros filmes) registra com rara sensibilidade e poesia especialmente os amplos corredores do hotel. Mesmo a partir do rigor de uma estética materialista, a poesia, o tom metafísico, o devaneio, a imaginação sempre estão presentes em Hotel Monterey.

A câmera de Hotel Monterey é preponderantemente fixa, com planos gerais de longa duração. No entanto, há variações. De um lado, o movimento surge em cenas em que o suporte da câmera fixa se move (o interior de um elevador). Mas a partir da metade do filme, o movimento da câmera se impõe: há quatro fantásticos travellings que percorrem os corredores em busca de uma janela ao fundo. Em dois deles, é noite; nos dois ultimos, já é dia. O travelling é simétrico: a câmera vai à janela, e depois volta ao seu ponto de origem. Esse movimento funciona como uma espécie de transição para a derradeira parte do filme, em que, de forma surpreendente, a atenção de Akerman se desloca para o entorno do hotel, filmando as ruas e os prédios vizinhos a princípio por uma janela, e, logo após, no terraço do hotel. Movimento da câmera associado a um movimento para o exterior: são em recursos como este em que é visível que o cinema de Akerman não é meramente materialista. Há todo um movimento de espírito, uma lufada de ar fresco, que só é possível após o mergulho radical nas vértebras desse edifício. No terraço há uma panorâmica tipicamente straubiana: somos lembrados de que, além do prédio, existe o mundo pulsando com indizível simplicidade e poesia.

Hotel Monterey é uma declaração de princípios do cinema que Akerman iria buscar pacientemente nas décadas posteriores. Retrato radical e visionário, documentário contemporâneo bem à frente do seu tempo: matéria e espírito, vértebras e alma, estética austera e intimista, retrato da solidão e desejo de ar fresco, materialismo e poesia. Obra-prima! Ave Chantal!

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