Chega de Saudade

Chega de Saudade
De Laís Bodansky
Museu da República seg 14 hs
* ½


Depois da repercussão no Festival de Brasília e boa performance de público, a estréia do nostálgico Chega de Saudade começa surpreendendo pela nítida opção de Laís Bodansky. Após o urgente e “moderninho” Bicho de Sete Cabeças, Laís escolheu quase o caminho oposto: a nostalgia e os bons sentimentos da terceira idade. Despretensioso, calcado num certo gueto de mercado (as mulheres da terceira idade), Chega de Saudade é todo passado numa noite num mesmo espaço físico: um salão de dança. Nele se cruzam as histórias de diversos casais, alguns centrais (Tônia Carrero e Leonardo Villar; Maria Flor e Paulo Vilhena; Stepan Nercessian e Cássia Kiss) e outros periféricos (o argentino e a “mulher misteriosa”, Betty Faria e sua amiga, etc. Não há uma preocupação direta em mostrar nem a produção do baile (além do garçon e do técnico de som) nem o universo da dança propriamente dito. Chega de Saudade é essencialmente um filme de personagens, e o olhar de Bodansky é como essas pessoas vão ao baile para de alguma forma suprir suas carências afetivas. Ou seja, não é a dança o agente transformador, e sim as situações que se desenvolvem a partir do encontro (ou desencontro) com pessoas dentro do baile.

Nesse microcosmo de contenção (uma noite, um salão de dança), a estratégia da narrativa passa a ser pulverizar os personagens formando uma espécie de mosaico. Com muitos personagens, em narrativas fragmentadas que não se cruzam entre si, inevitavelmente resulta numa certa superficialidade desses personagens, com motivações um tanto frágeis, sem que haja um conflito forte ou que fujam a alguns lugares comuns.

A câmera de Walter Carvalho optou por “bailar” junto com os personagens no salão de dança, trabalhando também bastante com a oscilação de foco e com os planos próximos. Essa câmera fluida acaba por mostrar uma imensa dificuldade em se inserir nesse salão de dança, seja por não passar uma intimidade necessária, seja por não possuir um rigor em relação ao processo do olhar que poderia construir o filme. As mudanças de foco, muitas vezes gratuitas, entram em total desacordo com o “público-alvo” do filme. No Museu da República, muitas velhinhas ao final reclamaram que o filme estaria “fora de foco”.

Para um filme de personagens, os atores estão todos bem, “segurando” o espírito do filme. Meu destaque (por incrível que pareça) vai para o Paulo Vilhena, por uma performance de contenção. O charme do casal formado por Tônia Carrero e Leonardo Vilar é indiscutível. Stepan Nercessian está à vontade num papel que parece ser moldado para ele.

No filme há uma certa discussão sobre gerações. Três: uma no fim (Carrero e Villar); outra no meio (Stepan e Kiss); outra no início (Vilhena e Maria Flor). Especialmente entre o início de envolvimento entre Stepan e Maria Flor, sobre o que uma geração pode deixar para a outra. Há pontos em comum e possibilidades de troca: encontrar com Stepan fez Maria Flor descobrir um pouco melhor o que quer (ou o que não quer de sua vida).

Por fim, resta concluir como o cinema paulista está se transformando de um “cinema do rancor” para um cinema da generosidade. Recentemente um conjunto de filmes paulistas tem apontado para uma “nova geração” do cinema paulista que tem se preocupado em fazer filme mais generosos, sobre a amizade, o amor ou a descoberta da vida. Seriam os tempos de esperança do Governo Lula? Seriam os rumos menos instáveis do cinema brasileiro? Seriam algumas transformações locais na cidade de São Paulo? É difícil dizer. Mas filmes como Não Por Acaso, Via Láctea, Cão Sem Dono, e outros apontam para um caminho menos cinzento para o cinema paulista.

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