Duas vezes Chantal Akerman

Les rendez-vous d´Anna, de Chantal Akerman ***
Toute une nuit, de Chantal Akerman **


Mais dois filmes da genial Chantal Akerman, minha grande descobnerta cinematográfica de 2007. Les rendez-vous d´Anna é, para mim, uma espécie de continuação de je tu il elle, um filme de esboço autobiográfico absolutamente experimental sobre o desafio de viver, criar e de existir. Mas desta vez temos apenas os interstícios, os intervalos, os entremeios: Chantal focaliza uma viagem de uma cineasta (alter-ego) promovendo um de seus filmes pela Europa. Na viagem, não há a descoberta de um espaço físico ou o encontro como ato de descoberta, possibilidade de fugir da rotina ou coisa do tipo. A viagem, ou estar no estrangeiro, é processo em trânsito, fuga de si mesmo. Por isso, as locações básicas do filme são ou quartos de hotel (ou halls, saguões) ou trens (ou plataformas e salas de embarque), que mostram essa dualidade que expressa tão bem o que é o filme, entre o movimento e a paralisia, em dois lugares que de qualquer forma se é estrangeiro de si. Anna, a personagem representada com delicadeza por Aurore Clément, encontra com algumas pessoas, mas no fundo permanece só. Em comum, possibilidades amorosas, de ter um “amor da maturidade”, formar uma família, ter filhos, ou ainda de reencontrar um amor da juventude, o filho de uma amiga de sua mãe, ou mesmo se aventurar em uma experiência passageira homossexual. Entre essas possibilidades, o trânsito e a transitoriedade da vida: só se pode passar uma única noite nessa cidade, a vida continua e é preciso sempre andar, mesmo que não se saiba muito bem para onde. Na estética, os planos longos e o rigor quase absurdo, a simetria fantástica, quase obsessiva, do cinema de Chantal que já nos havia assombrado em Jeanne Dielman. Aqui, aliado a impressionantes movimentos de câmera. Esse rigor, essa simestria, essa exatidão reforçam um sentido de solidão e de confinamento de Anna. A forma feminina, delicada, mas extremamente rigorosa e austera, faz de Les rendez-vous d´Anna um filme encantador e absolutamente singular, que comprova o vigor e a maturidade do cinema de Chantal Akerman. Cinema que precisa ser urgentemente descoberto aqui no Brasil.

Toute une nuit é em vários sentidos um filme atípico de Chantal, porque o enorme rigor e a preocupação com os tempos largos quase que desaparece. Toute une nuit poderia parecer uma espécie de O Baile, já que o filme mostra encontros e desencontros de casais em uma só noite, em bares, apartamentos e lugares públicos de uma cidade (Bruxelas), em que a dança é elemento presente de união e de encontro entre eles. Mas o que fica desses relacionamentos são os fragmentos, os estilhaços que Chantal escolhe para compor sua narrativa, extremamente multifacetada e partida. Esse sentido de simultaneidade não contribui para formar um painel, como por exemplo, nos filmes de Robert Altman. O que fica é sempre a singularidade de cada encontro, de cada casal, como se cada um deles bastasse por si. A possibilidade de narrativas cruzadas, paralelismos ou jogos de referências, portanto, se desfaz. Ou seja, é um cinema muito mais contemporâneo. Em comum, nessa noite, uma carência afetiva, uma necessidade de driblar a solidão. Um pequeno gesto, uma bebida, uma dança, uma necessidade de sair de casa, ou ainda de ficar e esperar pelo outro. Encontros e desencontros. Fugas. Efêmeras ou eternas. Um filme atípico de Chantal porque, mais que doce, é um filme sobre a possibilidade do encontro, ainda que a penumbra, a solidão e o mistério da noite nunca desapareçam do filme.
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