Saneamento Básico

Saneamento Básico

De Jorge Furtado

Odeon 22 julho 18hs

*

 

Os três primeiros filmes de Jorge Furtado tinham um princípio básico: a tentativa de articulação entre um cinema de contato com o público e uma certa referência de cinefilia. E faziam isso a partir de um “cinema jovem”, calcado num ponto: a dificuldade de expressar os sentimentos para a pessoa que se ama. Em O Homem que copiava, a idéia do artifício, da construção cinematográfica estava toda lá, mas nos outros dois filmes isso também aparecia nas entrelinhas.

 

Mas aqui em Saneamento Básico a idéia é diferente: o “cinema jovem” não deixa de estar presente nesse tal enfoque da comédia besteirol (o filme é uma chanchada do século xxi, como se fosse uma atualização de um filme do Carlos Manga), mas dessa vez o tom é o da farsa, sem que necessariamente nos identifiquemos com um dos personagens (e daí talvez resida sua menor repercussão de público). O tom da afetividade diminui, mas os personagens não deixam de ser ingênuos ou seduzidos pelo estado das coisas.

 

O tema aqui é a metalinguagem, o cinema, ou seja, é um filme sobre um filme sendo feito. E mais ainda, um filme sobre o Brasil, sobre o cinema brasileiro, e isso é muito forte e presente no filme. A cidadezinha do interior tem dinheiro para fazer um vídeo mas não tem para o saneamento básico. As pessoas começam a fazer o filme para salvar a cidade e no final querem apenas salvar o filme, se promover pessoalmente e ficar bem na fita. Isso fala tudo sobre o Brasil e o cinema brasileiro. Desde “Mulheres à Vista” não há um olhar tão contundente sobre essa paixão mórbida que é o ato de fazer cinema, como as vaidades são uma feitiçaria, encantam e seduzem os pobres ingênuos, e o papel do Estado em tudo isso. Mas sem ser demagógico: ao contrário, o filme é uma crítica nada ingênua sobre a tentativa de descentralização de recursos culturais bancada pelo MinC a partir da gritaria geral dos produtores culturais fora do eixo do Sudeste. Quando “O Monstro do Fosso” é exibido para a platéia numa escola, e o personagem de Lázaro Ramos diz que “agradece ao prefeito por permitir fazer cultura sem precisar ir para Porto Alegre” a porrada é grande, porque de cultura, de arte, é óbvio que “O Monstro do Fosso” (ou seria “da fossa”?...rsrs) não tem nada.

 

Mas esse aspecto – crítico, atual e extremamente relevante – é basicamente um argumento de roteiro. E em seguida vem então como o diretor desenvolveu isso na tela. E é nisso que Saneamento Básico mais desaponta. Em seu quarto longa-metragem, Furtado tem uma direção quase televisiva: planos médios, personagens gritando, soluções grosseiras, etc. Alguém pode até dizer que ele faz um paralelo disso com a própria situação do filme (há uma cena clara em que, discutindo o roteiro, fala-se sobre um plano ponto-de-vista, e a câmera de Furtado faz um ponto-de-vista, etc.), mas é forçar a barra, ou ainda, defesa fácil. No fundo, o que se vê é uma certa acomodação de Furtado em relação à construção dessa gramática do filme. Se Meu Tio Matou um Cara era cheio de meios-olhares, aqui nada é implícito, tudo é o mais explícito possível, começando pela discussão entre os personagens, uma gritaria sem fim, que lembra os recursos dos novelões da sete da Globo (que em geral são terríveis de ruins).

 

O que não dá para entender são os críticos (novamente) quererem dizer que o filme é uma obra-prima e que é um retorno à linguagem do Ilha das Flores. Francamente...

 

Interessante por ser uma mudança, triste por esse desleixo da direção, ficamos com uma dúvida ao final de Saneamento Básico sobre o projeto de cinema de Jorge Furtado. Vejamos o próximo.

 

Comentários

Moacy Cirne disse…
Puxa, cara, eu esperava mais (um pouquinho mais, pelo menos) do filme de Jorge Furtado... Um abraço.

Postagens mais visitadas