filmes pendentes
Conceição, direção coletiva UFF ?
Um canto de amor, de Jean Genet ***
L´Argent, de Robert Bresson ***½
Morgana e suas ninfas, de Bruno Gantillon **½
A Batalha da Ancinav, de Noílton Nunes *½
Chaga de Fogo, de William Wyler **
Correndo de loucura, morrendo de amor, de Koji Wakamatsu **
Shara, de Naomi Kawase ***½
A brincadeira, de Jaromil Jires *½
Letter from a yellow cherry blossom, de Naomi Kawase **
Neighbors, de Buster Keaton **
The Goat, de Buster Keaton **
The Boat, de Buster Keaton ***
Cops, de Buster Keaton ***
One Week, de Buster Keaton ***½
The Scarecrow, de Buster Keaton **
Um canto de amor, de Jean Genet ***
Grande filme o único trabalho em cinema de Jean Genet. Ousado, além e aquém
de seu tempo. Um trabalho passado na prisão para falar como o sistema
aprisiona a liberdade de ser dos homens, como repressor de uma possibilidade
de ser. Um cinema que fala da questão do olhar e do corpo, dentro de uma
linguagem do voyeurismo e da escopofilia, um prato cheio para as abordagens
psicanalíticas. Uma linguagem do corpo muito presente, o tempo todo no
filme. Um filme sobre o desejo de olhar, como desejo de linguagem, e como
olhar de liberdade. Um início e um final sugestivos, numa circularidade que
se desfaz, um clima de um cinema poético que nos remete ao cinema
silencioso. Clima tbem telúrico, entre a fantasia e a realidade, entre o
desejo e o sonho, onírico, quase surrealista. Tensão sexual que se acumula e
se intensifica, através da montagem, do delírio, e do corpo.
Morgana e suas ninfas, de Bruno Gantillon **½
Filme cult, mistura de terror com clima erótico, um clima meio gótico,
misterioso, totalmente kitsch. Um olhar particular pela combinação de
elementos bizarros, uma esética um tanto brega, mas que possui uma
delicadeza, um porno-chic pelo diretor francês Bruno Gantillon, que traz
todo um interesse para esse trabalho. O tom do lesbianismo, a estética B, a
iluminação sombria e ambígua, os figurinos, tudo espelha um olhar, um clima
que é passado pela direção. Duas mulheres dormem juntas num lugar estranho,
e quando uma delas acorda percebe que a outra não está mais lá. Uma espécie
de gnomo a leva para um castelo para encontrar sua amiga, mas ela não quer
sair de lá, quer se tornar uma das escravas de Morgana, ficar para sempre
lá, provando seu feitiço. Mas ela quer sair, voltar para o mundo das
mortais, e nessa exótica fábula (que alguns viram conotações políticas), ou
melhor, um conto de fadas kitsch se instala, um clima sedutor e ingênuo,
mórbido e mítico, cínico e bem-humorado. Um filme despretensioso e delicado,
pouco conhecido, que vale a pena ser visto.
Correndo de loucura, morrendo de amor, de Koji Wakamatsu **
O japonês Koji Wakamatsu é menos conhecido, considerado da ala mais radical
da segunda geração da nouvelle vaguejaponesa. Esse filme, feito num
brilhante cinemascope em cor, tem uma trama un tanto banal: após
acidentalmente matar o marido, mulher se aproxima do irmão dele, tentando
fugir da polícia. Cenas estranhas dão um tom um tanto bizarro, como uma
espécie de borrão entre a alucinação e a realidade, num tom um tanto
onírico. Um certo tom de melodrama mas que às vezes escorrega na mão, até
porque Wakamatsu não se revela propriamente um diretor de atores. Seu estilo
fica mais evidente quando ele decide que seu filme seja sobre uma fuga,
embora no meio do filme não se saiba exatamente do quê se foge. É como se a
fuga fosse um tanto estéril (não é possível fugir para sempre), e o casal
decide retornar e enfrentar o irmão, que na verdade está vivo. O início, com
cenas que remetem ao documental, e um diálogo com um cinema politico japonês
(essas referências me escaparam), mostram que na verdade se fala de uma
juventude que tenta lutar contra um sistema mas que em seu isolamento se vê
fraca para reverter um estado de coisas. O bonito final é uma síntese disso:
o diálogo com o fatalismo do melodrama, o cinema de climas, a neve, a
circularidade, o cinema de linguagem, o diálogo entre a ilusão e a
realidade, o cinema de invenção e o cinema político. Como dizíamos, o melhor
do filme é essa indefinição dessa fuga constante, e nisso o espaço físico
entra de uma forma assustadora, o filme com imensos grandes planos gerais
que mostram o isolamento desses personagens, ora cortados com primeiríssimos
planos, cortes típicos de uma linguagem mais contemporânea e que tbem
denotam essa perocupação de tbem ser um filme de personagens, de
sentimentos. Mas esses graneds planos gerais de fugas, com diferentes
espaços físicos é que acabam se tornando a grande marca visual do filme, e
que exalam um estuilo próprio do seu diretor. Um filme sobre uma fuga
estéril, uma fuga desses personagens talvez de si mesmos, e nunca se
encontrando.
Chaga de Fogo, de William Wyler **
Filme menor de Wyler mas que à época teve seu reconhecimento (inclusive
indicado para vários oscares), na verdade é uma adaptação típica de uma peça
de teatro, clara porque é um filme todo passado numa delegacia, e como os
personagens secundários entram em focos de ação tipicamente teatrais. Mas
Wyler consegue dar um toque de interesse pela movimentação da câmera, pelo
clima enxuto, conciso (típico do bom cinema americano), pelas boas atuações,
e especialmente por uma fotografia que trabalha em profundidade de campo,
dando um clima realista a essa delegacia de estúdio aos moldes como alguns
cineastas americanos (o próprio Wyler e Kazan, por exemplo) estavam fazendo
na época. Kirk Douglas bastante convincente com um personagem ambíguo, um
mocinho que tbem faz atitudes condenáveis e estranhas (é cruel, xinga a
esposa, bate nos criminosos, etc.), mas o faz "sem se dar conta do que está
fazendo", até chegar a um final de espécie de redenção moral desse
personagem, um final católico onde ele é perdoado (embora morra) por se
arrepender dos seus crimes, e por ver que tudo aquilo que ele acreditava era
uma bobagem. Nisso, Chaga de Fogo vira um filme noir que se parece ocm
Morangos Silvestres (se isso é possível...), porque o policial ao final dos
trilhos percebe que "seu código de conduta moral", sua inflexibilidade, sua
luta implacável pelas regras, o fez ser uma pessoas menos humana, o fez se
distanciar daquilo o que ele sempre acreditava, ao invés de se aproximar
disso. Esse olhar para o personagem de Kirk Douglas é o ponto mais
interessante do filme: sua incapacidade de lutar contra as chagas da vida
sem se deixar contaminar por isso, seu prazer sádico em relação ao crime,
sua relação ambígua e complexa com seu pai (na verdade, fazendo tudo para se
distanciar do pai, no fim ele percebeu que era exatamente como seu pai), o
que no fundo traz a grande chave de elucidação do filme: um confronto entre
razão e instinto, que acaba se tornando uma parábola moral sobre os limites
da liberdade do ser humano.
A brincadeira, de Jaromil Jires *½
Filme tcheco adaptado do romance de Milan Kundera, não consegui pegar várias
referências à época que o filme trabalha, mas me pareceu, numa primeira
vista desleixada (admito) uma tradução apenas convencional do romance,
preocupado em aspectos de literalidade do roteiro mais do que trazer um
clima ou uma linguagem particular para o tema. Ênfase em planos médios e num
cinema de muito diálogo me incomodou bastante. Um trabalho apenas correto,
sem preocupação de ter um tom mais realista, como se esperaria de um filme
desse tipo. A relação ambígua, estranha entre o "casal", típica de um filme
da Europa Oriental, é que traz mais interesse para o filme. O ator principal
está bem, sutil, discreto, mas com uma dúvida que lhe dá uma força ao seu
personagem. Momentos interessantes, mas como um todo, um tanto convencional.
Shara, de Naomi Kawase ***½
Enorme filme da Naomi Kawase, é incrível como passei a ver o filme de outra
forma depois de ter visto Suzaku: é o mesmo filme da Kawase mas por outro
lado com inegáveis avanços. Em Shara, Kawase se soltou bem mais e a invasção
dessa câmera que tem uma postura documental é fantástica. Um cinema
oriental: a casa, a relação da família, o conflito entre tradição e
modernidade, a dificuldade de expressar os sentimentos, etc. Mas essa câmera
enche o filme de um frescor, com planos longos de câmera na mão,
especialmente como ela toca com poesia os corredores esguios de Nara e os
corredores daquela casa. O início e o final, de enorme circularidade e
paralelismo (o interior e o exterior, a vida e a morte, o cinema e a
realidade, etc.), é uma das coisas mais belas do cinema contemporâneo. Um
balé discreto e emocionante quando os irmãos se perdem, e no final a
repetição do gesto como sinal de encontro (como é simples e bonito isso). A
forma como Kawase filma o evento de Shara nos lembra de como o seu lado
documental é fundamental para fazer o cinema que Kawase busca. Esse lado
sensorial, levemente religioso, está lá o tempo todo (não é à toa que em
Suzaku eu já lembrei do cinema de Dovzhenko), porque aquela chuva é
totalmente de Terra, mas ao mesmo tempo sem emular um outro cinema, apenas
um diálogo incidental. Essa câmera e esse tempo que não sufocam os
personagens mas o deixam respirar é a síntese do cinema contemporâneo.
Grande filme.
L´Argent, de Robert Bresson ***½
Mas a verdade é que Shara acaba parecendo ingênuo e idílico quando em
seguida se vê um filme como L´Argent, o último filme de Bresson, um filme
que mostra um cineasta na maturidade de sua expressão estilística. Um filme
absolutamente (e quase absurdamente) seco. Um filme grande, um filme
político em que fala em como o nosso mundo materialista afasta as pessoas de
si mesmas, mas o faz sem ser maniqueísta, sem querer julgar os personagens,
e sem afogá-los no ranço das motivações psicológicas de segunda da narrativa
clássica. É um filme em que percebemos de forma muito clara como essa
engrenagem da roda da vida se contamina de tal forma com tudo isso, uma
crítica ao capitalismo mas tbem uma crítica a esse "bom selvagem" que pode
ser o homem de Rousseau. Um cinema de linguagem, as ações físicas (aqui
ainda mais que em Mouchette): aqui não há a voz off de Diário de um Pároco
de aldeia ou de Um Condenado à Morte Escapou. É tudo tão claro que não há
necessidade de nenhuma motivação: os personagens agem como gado, pelo
instinto, à procura de dinheiro e falam através das ações físicas de seu
corpo (por isso até a ênfase nos planos de mãos e de partes do corpo). Um
filme duro conosco. Um filme de absoluta concisão. Um filme com uma
linguagem muito próxima das coisas que procuro no cinema. Ficamos pensando
em alguns filme de Fassbinder como Quem matou o Senhor R ou Eu só quero que
me amem, mas enquanto o Fassbinder tem um tom de farsa, em Bresson há apenas
as ações físicas e um profundo cinema da concisão. Um grande filme.
Curtas de Buster Keaton
Alguns curtas de Buster Keaton são suficientes para dizer que era um gênio.
Alguns têm um lado mais pastelão, mas com uma coordenação fantástica dos
elementos do slapstick. Mas os grandes curtas de Keaton são aqueles em que
uma estética quase surrealista desponta quando o personagem de Keaton se vê
às voltas com elementos da modernidade: construir uma casa ou um barco
mostram o Homem em conflito com sua própria criação para dar uma espécie de
conforto á sua família, e lutando no fundo contra seus próprios limites,
consigo mesmo. Vou tentar desenvolver isso um pouco mais aditante, com
alguns longas, em especial Sherlock Jr. e A General. Esteticamente me
impressionou uma consciência de um realismo de mise-en-scene típico do que
dizia Bazin: um cinema cuja graça se dá no plano geral, em ver que a ação
acontece sem truque visual, mas ao mesmo com uma profunda consciência do que
a profundidade de campo pode nos mostrar ou nos esconder sobre a imagem.
Exemplo típico está no extraordinário final de One Week: a casa não é
atingida pelo trem, e somos enganados porque a câmera está numa posição que
nos engana mas a cena é absolutamente realista. Essa é a maior delcaração de
princípios do que está em jogo no cinema de Keaton: a preservação da
família, o homem lutando contra sua criação (o trem, a casa), um cinema
realista que não nega o artifício, o humor surrealista, o desespero trágico
mas cool diante do absurdo do mundo e a possibilidade do amor para reverter
isso.
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