Cão Sem Dono
Cão Sem Dono
de Beto Brant
Odeon seg 11 21hs
** ½
(o cinema como um “conviver com as pessoas”, e não um “esperar as conseqüências de suas ações”)
Cão Sem Dono comprova que Beto Brant é hoje o cineasta brasileiro que mais tem o que dizer. Depois de um projeto duro e rigoroso como Crime Delicado, nada melhor que um filme despojado e jovem como Cão Sem Dono. Mudar apenas para continuar o mesmo, porque é incrível como, apesar das enormes diferenças, no fundo Cão Sem Dono é um projeto em continuidade com o cinema de Brant, mas é uma continuidade diferente do “cinema de sempre”, dos caminhos que se espera do chamado “cinema de autor”. Com Crime Delicado e Cão Sem Dono, Beto Brant comprova a sua maturidade, a sua coragem para mudar de rumos, exatamente para manter a coerência da sua proposta de buscar sua linguagem pessoal. Além disso, Cão Sem Dono é um dos raros filmes brasileiros que sentimos estar antenados com uma idéia de cinema contemporâneo, que não “parou no tempo”. Mas ao mesmo tempo é um filme completamente despreocupado com as grifes do cinema de autor e das preocupações de inserção no panorama dos festivais internacionais.
Tanto é assim que uma das maiores virtudes do filme é a busca por uma linguagem jovem, e aqui resgatamos o que dizíamos sobre Proibido Proibir. Enquanto este tem uma linguagem velha, didática, Cão Sem Dono é um filme - este sim - de alma jovem, que procura mergulhar no sentimento dessa juventude, de sentir esses passos, de viver com eles. É claro que o mais correto é dizer que Cão Sem Dono é sobre e para jovens com uma faixa etária um pouco acima (não estão na universidade, mas acabaram de sair dela), mas de qualquer forma é um filme jovem, e sua referência de juventude está tbem muito nas relações com o cinema de Jorge Furtado (e nisso é muito sintomático que o filme tenha sido feito no Sul, e tbem fora dos grandes centros). Só que enquanto Furtado ainda usa o cinema de high-school americano como referência, aqui Beto Brant tem um olhar mais próximo ao cinema contemporâneo, por usar uma narrativa livre, por confundir o espectador quanto às motivações dos personagens, por abrir um enorme espaço para o improviso e para os planos longos, e (especialmente) por um trabalho muito singular de fotografia e câmera, que, de um lado, dialoga com uma espécie de cinema documental e que, por outro, confere uma liberdade que nos aproxima muito mais dessa experiência de viver com os personagens (mais do que “acompanhar suas ações”).
Por outro lado, Cão Sem Dono em alguns momentos nos parece irregular e mal costurado, mas em outros nos fascina com seqüências de verdadeiro e intenso cinema. E no fundo é muito bacana essa tentativa despojada de Brant. Duas coisas me incomodaram em muito: o excessivo número de fades (recurso de narrativa clássica para passagem de tempo quando aqui não era o caso), e o final, falso, com clima de fábula, que fecha abruptamente o filme e tira um pouco da sua poesia.
Mas em alguns momentos é muito fascinante a liberdade de Brant em como o filme abraça essa possibilidade de viver desses jovens, e a gente fica pensando como o cinema pode acompanhar uma vida, viver com as pessoas, mais do que meramente esperar as conseqüências de suas ações. Isso me dá muitas idéias, me estimula muito, embora as coisas que eu queira fazer vão em outra direção. De qualquer forma, uma experiência muito positiva.
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