Last Days

De Gus Van Sant

DVD 27 junho 22hs

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Quando pensamos num filme sobre Kurt Cobain, o “mitológico” (sic) líder do grupo Nirvana, poderíamos pensar numa espécie de “Dois Filhos de Francisco acima dos trópicos”. Só que acontece que Last Days não é um filme da Globo Filmes, ou ainda, é um filme dirigido por Gus Van Sant. Então que o filme vai na contramão de tudo o que geralmente pode se esperar sobre “um filme sobre um ídolo pop” para buscar ser um retrato honesto de um indivíduo que vive em crise consigo mesmo e com o mundo. Ou (de novo): Então que Van Sant vai fazer um filme que não quer julgar, idolatrar, mitificar,etc (i.e o “gênio incompreendido), mas tampouco quer vilipendiar, polemizar, chocar, etc. (a decadência moral, as drogas), ou seja, não quer “vampirizar” ou “psicologizar” Cobain mas quer simplesmente ter um contato íntimo com ele, ou ainda, o contato que é possível para o cinema, já que o cinema é muito pouco. Não é mártir, não é o gênio incompreendido, nem é Réquiem para um sonho (mergulho num submundo de drogas, orgias). Não quer romantizar nem exorcizar. Quer apenas respirar essa possibilidade de conviver, de estar junto. É tudo o que o cinema contemporâneo vem tentando ser, entre o documentário e a ficção, entre os questionamentos sobre a crise do “indivíduo centrado” e sobre a crise da “narrativa centrada”. Ou seja, Last Days é um filme descentrado sobre um indivíduo descentrado. “Descentrado” aqui significa “estranho” para as pessoas (i.e não-convencional).

 

Por isso, os fãs do Nirvana quase quebraram os cinemas de tanto ódio quando o filme foi exibido no Festival do Rio, o que fez com que um provável distribuidor recuasse imediatamente diante da possibilidade de lançar comercialmente o filme. Ficaram furiosos com o quê? Ora, com o fato de o filme não ser um docudrama, um musical, uma dessas coisas banais que enchem os nossos olhos e ouvidos na televisão, no videoclipe, no clichê do cinema americano. De não ser o filme que elas queriam ver, de não ser o Cobain que elas gostariam de ver. É um filme de autor, mas é muito mais do que isso, porque Van Sant não é Sokurov: para Sokurov em seus retratos sobre Hitler e Lênin, “humanizar” significa “criticar”, “humilhar”, ou seja, no fundo ele quer julgar, embora diga que não está julgando. Para Van Sant, não, ele quer desmistificar não para “julgar de outra forma”, mas quer simplesmente “respirar com o indivíduo”, quer conviver.

 

Esse indivíduo continua a ser opaco em suas motivações e em sua existência, mas ao mesmo tempo tudo está tão claro, tão evidente. E que filme bonito, bem filmado, lúdico! Que olhar íntimo, honesto sobre essa decadência moral! E tbem sobre o processo de criação, já que (que nos diga Pavese!) a impossibilidade do processo de criação passa a estar relacionada com a impossibilidade do processo de viver. O fantástico início (“homem-natureza”, a cena da fogueira, etc.) já nos coloca uma “declaração de princípios” do que está em jogo em Last Days: cinema de força interior, sem efeitos, sem se preocupar com as aparências ou retoques, com as superfícies, mas sim uma profunda concentração de energia no que significa esse sentimento de desistir de tudo, de se isolar de tudo. O que podemos dizer da cena em que um amigo conta a Cobain sobre as motivações de uma música, em que ele pede a contribuição de Cobain? Ele diz que vai tentar. Tentar criar algo que seja de verdade. É como o próprio cinema de Van Sant tenta fazer. Criar algo que fuja da pasteurização do cinema de hoje.

 

Ambigüidade narrativa, ambigüidade temporal. Como em Elefante, cenas de vários pontos-de-vista. Idas e vindas no tempo que não ficam explícitas. O tempo se dobra, não-linear. Uma América que está ali mas que ao mesmo tempo não está.

 

O Filme de Nick e Last Days: ficção e documentário; documentário e ficção. Duas possibilidades de o cinema refletir sobre a morte, e refletir sobre a morte e o processo de criação.

Comentários

Anônimo disse…
Concordo perfeitamente contigo o filme é belíssimo e ao mesmo tempo tem um distinto humor negro. Ainda bem que alguém gostou do filme. Chamem-me idiota mas nao gostei do control sobre o ian curtis. Um filme que falhou mt . Um filme demasiado à superficie. Este nao tinha planos ou linhas traçadas e cumpriu o propósito vital da sétima arte, tirar-nos da realidade, fazer-nos ver!

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