Trecho

Trecho

De Helvécio Marins e Clarissa Campolina

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O que é fantástico em Trecho é que, ao vivenciar a trajetória solitária e errante de Libério, o filme é ao mesmo tempo tão errante quanto seu personagem-documentado e ao mesmo tempo não o é. Ele é solitário e errante porque é um mergulho de frente nessa estrada sem fim que é o cinema e a vida; é um filme em que o processo vale mais que o resultado porque é assim mesmo a vida de Libério e a nossa própria vida. Um filme sensorial em que as luzes da estrada, o movimento do corpo de Libério, suas palavras quase mal articuladas em que a fonética fala tanto quanto o sentido dessas palavras, dizem muito mais do que um discurso prévio sobre tudo isso. É um filme em que a narrativa mergulha de encontro ao que quer abraçar, um filme sobre isso, um filme sobre o processo próprio dessa realização, desse cinema, uma declaração de princípios de como o cinema deve ser.

 

Caminhar sem fim, a estrada sem fim, o horizonte. Um caminho, um sonho sem sonho, o processo, o trajeto, a dificuldade e a necessidade do afeto, o dia e a noite, a poesia, o concreto, os carros passando e as flores do caminho. Tudo isso é o cinema de Trecho.

 

Mas ao mesmo tempo Trecho não faz um caminho solitário e errante, porque tudo isso faz parte de um processo imenso, faz parte de uma pesquisa, de um caminho de contuinuidade de um conjunto de filmes do cinema poético mineiro e em especial desse grupo da Teia. Aboio, Nascente, Trecho e Acidente são um filme só, o mesmo processo e ao mesmo tempo vários processos, que dialogam, rimam, se entrelaçam e se metamorfoseiam, como o cinema e a vida.

 

Os membros da Teia são os pré-socráticos do cinema brasileiro contemporâneo: se em Aboio era o ar, em Nascente era a água, em Trecho é a terra, em Acidente é a dôxa. E tudo mais um pouco. São os elementos da natureza e da vida.

 

A Teia é hoje o melhor cinema que se faz no Brasil.

 

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