Inocência Selvagem

De Philippe Garrel

DVD jan/2007

***

 

Devo também dizer algo sobre Inocência Selvagem, um filme do Philippe Garrel que peguei no emule, depois do impacto de Amantes Constantes. É outro filme em preto-e-branco, diferente e similar ao Amantes Constantes. Diferente porque é um filme contemporâneo. Igual porque também é sobre a confluência entre os processos de viver e de criar. E também porque tem todo um estilo do Garrel que se impregna pelo filme. Um estilo todo francês: um filme contado com elipses largas e tempos mortos, de modo que estamos sempre atrasados no que está acontecendo e ao mesmo tempo vivendo muito intensamente esses momentos íntimos, que é tudo o que temos. Um estilo que lembra Jia Zhang-Ke e Claire Denis, se isso é possível.

 

Novamente mais um filme sobre o processo de criação, partindo de um pressuposto muito simples e muito complicado. Um diretor de cinema quer fazer um filme que denuncie o tráfico de drogas mas só consegue dinheiro para produzir o filme vindo do próprio tráfico, e ele deve participar disso. Deve ou não? É uma opção. Esse filme (o filme dentro do filme) na verdade é um acerto de contas do diretor com sua ex-mulher, que morreu de overdose. E daí que o filme se mistura com a realidade (ou melhor, o filme dentro do filme se mistura com o filme), porque ele se apaixona pela atriz do filme, ou melhor, resolve convidar para atriz do filme a mulher por quem está apaixonado. E por aí vai.

 

Mas mais interessante que essas teias, essas subtramas e suas relações com a trama, o que torna Inocência Selvagem um filme surpreendente é exatamente a forma como Garrel conta essa história, como esses jogos narrativos sucumbem diante de uma dramaturgia do tempo e do contato entre os personagens. Ainda, faz tudo isso dentro de uma proposta de um cinema contemporâneo, instigante, refletindo sobre a possibilidade de a imagem viver e experimentar a vida de cada personagem.

 

Dessa vez entra o lado sórdido e trágico do cinema, do processo de criação. O cinema, entre o material e o sonho. Ou, dependendo da forma como se vê, o cinema como negação da vida; o autor que se preocupa mais com o filme e fica cego diante do que está acontecendo ao seu redor. O filme tem uma estrutura de uma tragédia grega, na forma como as coisas se repetem se forma um tanto cruel mas necessária (de forma moral). Mas desse ponto de vista, ainda prefiro Coisas Secretas e o cinema de Brisseau, que tem um lado mais sarcástico e irônico. Inocência Selvagem é um belo filme, mas fica como um ensaio diante de Amantes Constantes, um filme que vale uma vida.

 

Comentários

Postagens mais visitadas