10 curtas brasileiros recentes que viraram a minha cabeça
10 curtas brasileiros recentes que viraram a minha cabeça :
(sem ordem de preferência)
Esses não são os melhores curtas dos últimos dez anos. São apenas filmes que viraram a minha cabeça, que não me deixaram dormir naquela noite após a exibição, que me transformaram numa outra pessoa após tê-los visto. São curtas de amigos ou conhecidos que me mostraram novas possibilidades para o audiovisual, que me ofereceram soluções para algumas questões estéticas sobre o cinema ou para algumas questões existenciais sobre a vida, o que no final das contas acaba dando no mesmo. São dez curtas brasileiros recentes que nunca mais sairão de mim, como se fosse uma tatuagem no meu corpo. Para o bem e para o mal. Ei-los:
1 - Licor de Arbusto, de Rafael Prata Duarte
Rafael foi humilhado naquele Festival Universitário, porque ninguém poderia esperar um filme como esse: uma ilha, um cometa, uma obra imperfeita, maldita. Ele teria que ser pisoteado e torturado pelo filme; ele não poderia escapar ileso, por sua audácia. Licor de Arbusto, estranho como o próprio título, é um filme sobre a fragilidade, sobre uma enorme busca por um cinema que não cabe nem na tela nem dentro de nós, e que nos deixa com muito mais perguntas que respostas.
2 - Amador, de Luiz Pretti
A primeira vez que vi um filme dos Irmãos Pretti (foi em Estética da Solidão) eu descobri um mundo, eu vi a possibilidade de fazer trabalhos intimistas com os recursos que eram possíveis. Era um cinema impossível com o que era possível. Em Amador todo o cinema dos gêmeos está lá: os planos extremamente alongados, essa visão do enorme vazio das coisas, essa dificuldade de dizermos uma palavra uns aos outros, esse enorme rigor com o quadro e com o tempo e esse eterno relaxamento com as aparências, porque o que importa, sempre, é a essência das coisas, mas ela é sempre fugidia e imperfeita. O título, extraordinário, é uma declaração de princípios sobre tudo o que está em jogo: o cinema amador, o amor e a dor. O filme, de cortante simplicidade, revela esse enorme abismo de meio metro entre a vida, a criação, o outro e a liberdade plena.
3 - Enquadros, de Ivo Lopes Araújo
O cinema do Ivo é sempre recheado por um abismo, por uma distância de uma geografia física e pela distância de uma geografia íntima. Em Enquadros, essa falta de um mundo é associada com o processo de criação. Interior e exterior, rotina e improviso, luz e sombras, planos fixos e fusões, planos gerais e planos próximos: sem nenhuma palavra, Ivo percorre um estado de coisas do artista que vai além do descritivo para tocar uma metafísica do mundo, sempre a partir dessa doce distância em que realiza seus trabalhos sobre a solidão humana.
4 - O Livro, de Aleques Eiterer
Incompreendido e pouco lembrado, este curta de Aleques tem uma historiazinha quase banal: um livro passa de mão em mão, dos jovens aos velhos. Mas a visão de mundo de Aleques joga a narrativa pro alto: lento, cíclico, fatalista, em preto-e-branco, toda a tristeza do mundo leva O Livro para o seu misterioso final, uma verdadeira obra-prima: os planos vazios, em que não há mais nada, nem livro nem pessoas nem vida, só o cinema talvez como testemunha mórbida do fim de tudo.
5 - Ação e Dispersão, de Cesar Migliorin
Subversivo, irônico, provocador, Ação e Dispersão é um enigma, obra de várias camadas e significações, que se multiplicam, que se dobram sobre si mesmas, que se interpolam: de um lado, filme-manifesto sobre um cinema brasileiro; mas de outro, por trás desse verniz sarcástico, revela-se um retrato profundamente afetivo sobre o vazio de uma viagem, sobre a inutilidade da peregrinação humana e a fugacidade da memória
6 - O Lençol Branco, de Marco Dutra e Juliana Rojas
Doloroso, quase cruel, esse retrato extremamente cuidadoso e observador sobre a rotina de uma mãe logo após a perda de seu bebê recém-nascido se transforma aos poucos numa crônica familiar e num conto gótico de terror. Sua atmosfera sinistra é construída com um mínimo de elementos: basicamente a partir da maestria da direção e da decupagem, numa sinfonia de tempos, olhares e meios-gestos sempre exatos e sempre enigmáticos, como a própria natureza humana.
7 - Nascente, de Helvecio Marins Jr
Nascente representa o cinema de BH, que é hoje o melhor cinema do mundo, um cinema que abraça um diálogo entre as artes plásticas e o audiovisual, que abraça um país sem paternalismo ou sem apologia da miséria, que abraça um cinema dos sentidos e das novas possibilidades de frescor da narrativa. Delicado, intimista, poético, Nascente é o que de melhor a Teia e o novo cinema mineiro tem feito por esses tempos.
8 - Guerras, de Luiz Rosemberg Filho
O cinema de hoje dialoga com o de ontem, ou ainda, o cinema de ontem é o cinema de sempre, caso não se pare no tempo, caso ainda se queira dizer com a mesma intensidade de sempre. O veterano Luiz Rosemberg Filho realiza um vídeo artesanal de grande impacto emocional, resgatando a força da palavra e do monólogo, combinando imagens de arquivo com jogos de luz e sombras, combinando a desilusão do terror do mundo capitalista com a paixão pelo ato de criar e de viver.
9 - Quem Navega no Mar Sempre Encontra um Lugar, de Dellani Lima
O filme zen de Dellani Lima é mais um exemplar do cinema mineiro: um cinema de observação, deslumbrado pelas possibilidades da imagem e do registro como forma de iluminação. Um pouco atípico de seu trabalho posterior, Quem Navega no Mar é um filme de percurso: percurso dos animais, percurso da câmera, percurso do olhar, percurso da alma que, de um lugar a outro, se encontra por se perder, se acha porque existe como percurso, observando-se a si mesma como um enorme espelho por onde passam todas as coisas.
10 - Coleira de Abutre, de Walter Fernandes Jr.
Irreverente, fragmentado, provocador, o cinema de Walter Fernandes é o da crônica carioca farsesca, é o cinema marginal debochado, é a desconstrução da possibilidade do discurso. Quase surrealista, Coleira de Abutre provocou uma enorme interrogação no Festival Universitário quando exibido pela primeira vez, mas marcou um conjunto de pessoas que passou a admirar sua anarquia e seu inconformismo.
(sem ordem de preferência)
Esses não são os melhores curtas dos últimos dez anos. São apenas filmes que viraram a minha cabeça, que não me deixaram dormir naquela noite após a exibição, que me transformaram numa outra pessoa após tê-los visto. São curtas de amigos ou conhecidos que me mostraram novas possibilidades para o audiovisual, que me ofereceram soluções para algumas questões estéticas sobre o cinema ou para algumas questões existenciais sobre a vida, o que no final das contas acaba dando no mesmo. São dez curtas brasileiros recentes que nunca mais sairão de mim, como se fosse uma tatuagem no meu corpo. Para o bem e para o mal. Ei-los:
1 - Licor de Arbusto, de Rafael Prata Duarte
Rafael foi humilhado naquele Festival Universitário, porque ninguém poderia esperar um filme como esse: uma ilha, um cometa, uma obra imperfeita, maldita. Ele teria que ser pisoteado e torturado pelo filme; ele não poderia escapar ileso, por sua audácia. Licor de Arbusto, estranho como o próprio título, é um filme sobre a fragilidade, sobre uma enorme busca por um cinema que não cabe nem na tela nem dentro de nós, e que nos deixa com muito mais perguntas que respostas.
2 - Amador, de Luiz Pretti
A primeira vez que vi um filme dos Irmãos Pretti (foi em Estética da Solidão) eu descobri um mundo, eu vi a possibilidade de fazer trabalhos intimistas com os recursos que eram possíveis. Era um cinema impossível com o que era possível. Em Amador todo o cinema dos gêmeos está lá: os planos extremamente alongados, essa visão do enorme vazio das coisas, essa dificuldade de dizermos uma palavra uns aos outros, esse enorme rigor com o quadro e com o tempo e esse eterno relaxamento com as aparências, porque o que importa, sempre, é a essência das coisas, mas ela é sempre fugidia e imperfeita. O título, extraordinário, é uma declaração de princípios sobre tudo o que está em jogo: o cinema amador, o amor e a dor. O filme, de cortante simplicidade, revela esse enorme abismo de meio metro entre a vida, a criação, o outro e a liberdade plena.
3 - Enquadros, de Ivo Lopes Araújo
O cinema do Ivo é sempre recheado por um abismo, por uma distância de uma geografia física e pela distância de uma geografia íntima. Em Enquadros, essa falta de um mundo é associada com o processo de criação. Interior e exterior, rotina e improviso, luz e sombras, planos fixos e fusões, planos gerais e planos próximos: sem nenhuma palavra, Ivo percorre um estado de coisas do artista que vai além do descritivo para tocar uma metafísica do mundo, sempre a partir dessa doce distância em que realiza seus trabalhos sobre a solidão humana.
4 - O Livro, de Aleques Eiterer
Incompreendido e pouco lembrado, este curta de Aleques tem uma historiazinha quase banal: um livro passa de mão em mão, dos jovens aos velhos. Mas a visão de mundo de Aleques joga a narrativa pro alto: lento, cíclico, fatalista, em preto-e-branco, toda a tristeza do mundo leva O Livro para o seu misterioso final, uma verdadeira obra-prima: os planos vazios, em que não há mais nada, nem livro nem pessoas nem vida, só o cinema talvez como testemunha mórbida do fim de tudo.
5 - Ação e Dispersão, de Cesar Migliorin
Subversivo, irônico, provocador, Ação e Dispersão é um enigma, obra de várias camadas e significações, que se multiplicam, que se dobram sobre si mesmas, que se interpolam: de um lado, filme-manifesto sobre um cinema brasileiro; mas de outro, por trás desse verniz sarcástico, revela-se um retrato profundamente afetivo sobre o vazio de uma viagem, sobre a inutilidade da peregrinação humana e a fugacidade da memória
6 - O Lençol Branco, de Marco Dutra e Juliana Rojas
Doloroso, quase cruel, esse retrato extremamente cuidadoso e observador sobre a rotina de uma mãe logo após a perda de seu bebê recém-nascido se transforma aos poucos numa crônica familiar e num conto gótico de terror. Sua atmosfera sinistra é construída com um mínimo de elementos: basicamente a partir da maestria da direção e da decupagem, numa sinfonia de tempos, olhares e meios-gestos sempre exatos e sempre enigmáticos, como a própria natureza humana.
7 - Nascente, de Helvecio Marins Jr
Nascente representa o cinema de BH, que é hoje o melhor cinema do mundo, um cinema que abraça um diálogo entre as artes plásticas e o audiovisual, que abraça um país sem paternalismo ou sem apologia da miséria, que abraça um cinema dos sentidos e das novas possibilidades de frescor da narrativa. Delicado, intimista, poético, Nascente é o que de melhor a Teia e o novo cinema mineiro tem feito por esses tempos.
8 - Guerras, de Luiz Rosemberg Filho
O cinema de hoje dialoga com o de ontem, ou ainda, o cinema de ontem é o cinema de sempre, caso não se pare no tempo, caso ainda se queira dizer com a mesma intensidade de sempre. O veterano Luiz Rosemberg Filho realiza um vídeo artesanal de grande impacto emocional, resgatando a força da palavra e do monólogo, combinando imagens de arquivo com jogos de luz e sombras, combinando a desilusão do terror do mundo capitalista com a paixão pelo ato de criar e de viver.
9 - Quem Navega no Mar Sempre Encontra um Lugar, de Dellani Lima
O filme zen de Dellani Lima é mais um exemplar do cinema mineiro: um cinema de observação, deslumbrado pelas possibilidades da imagem e do registro como forma de iluminação. Um pouco atípico de seu trabalho posterior, Quem Navega no Mar é um filme de percurso: percurso dos animais, percurso da câmera, percurso do olhar, percurso da alma que, de um lugar a outro, se encontra por se perder, se acha porque existe como percurso, observando-se a si mesma como um enorme espelho por onde passam todas as coisas.
10 - Coleira de Abutre, de Walter Fernandes Jr.
Irreverente, fragmentado, provocador, o cinema de Walter Fernandes é o da crônica carioca farsesca, é o cinema marginal debochado, é a desconstrução da possibilidade do discurso. Quase surrealista, Coleira de Abutre provocou uma enorme interrogação no Festival Universitário quando exibido pela primeira vez, mas marcou um conjunto de pessoas que passou a admirar sua anarquia e seu inconformismo.
Comentários
Continuas sendo minha referência no que diz respeito ao apreciar dessa arte que tanto garimpas.
Justiça aos gêmeos, e ao Ivette, cujo Enquadros ainda não tive a oportunidade.
Grande abraço, o carnaval está chegando...