Antônia

de Tata Amaral

São Luiz 3, dom 10:30

**

 

Me surpreendi positivamente com o Antônia. Vi uns pedaços da série e não gostei muito, mas o longa tem várias qualidades. A principal delas é pegar o tema de sempre da favela e da miséria social e colocar sob uma outra perspectiva. O filme narra as dificuldades de um grupo de hip hop feminino, em busca de uma oportunidade para mostrar seu talento. Então, o que poderia ser “um filme de denúncia de uma realidade social cruel de exclusão etc etc” acaba virando um filme sobre a possibilidade do sonho, ou ainda, a possibilidade da criação mesmo em condições tão adversas. Mais que um filme de lamentações, resmungos, surge uma via de caminho possível através da criação.

 

Mas o mais positivo de Antônia é como a diretora Tata Amaral observa esse percurso das meninas para superar os diversos percalços do caminho: através de um cinema humano, que usa os trejeitos da câmera na mão e do tom granulado simulando os recursos do documentário não “para dissimular a crueza de uma realidade” e sim para humanizar esse percurso. Com isso, o filme acerta muito quando investe num tom intimista que dá fôlego para as cantoras se manifestarem de uma forma muito autêntica, até porque elas não são atrizes. Há uma cena linda quando Negra Li chega em casa e se senta ao lado do pai descascando uma laranja. Esse é o melhor cinema de Antônia. É muito interessante notar como o olhar de Tata Amaral transforma o filme num filme feminino e intimista: o que pelo roteiro poderia descambar para o retrato de vitimização das cantoras, revela-se um filme razoavelmente alinhado com um cinema mais contemporâneo, com uma linguagem sem grandes cacoetes mas perfeitamente alinhada à visão que se quis imprimir sobre essas realidade e sobre essas meninas.

 

Depois do filme, num chopp, em tom de provocação, eu comparei o filme com Dois Filhos de Francisco. É importante também pensarmos que o filme não se concentra no processo de criação em si do grupo mas nesse “em torno”, nas dificuldades em ter oportunidades para subir na vida. Elas estão propensas a fazer concessões, como cantar músicas bregas, se for necessário. Ou seja, Antônia é como o cinema brasileiro: está mais interessado nas leis de incentivo (nas condições de produção) do que propriamente no processo de criação em si, em refletir possibilidades novas de expressão musical. Além disso, a música do grupo não reflete a condição de realidade de sua comunidade. Diferentemente das tradições do hip hop, a ligação do grupo com os problemas do dia-a-dia da comunidade e da realidade em que vivem é muito indireta e esparsa. Sua música não reflete um desejo de transformação do estado de coisas, mas simplesmente elas querem o seu lugar ao sol, querem ser “uma estrela”, “ter voz”, como ela diz textualmente à sua filha numa parte ao final do filme. É muito interessante pensarmos que a música do grupo não tem muito valor no filme: o talento das meninas é muito mais de interpretação (um talento vocal) do que de composição (de “ter o que dizer” sobre uma realidade). E mais: sua técnica de interpretação está muito mais voltada a um modelo de interpretação norte-americano (quase como “cantoras gospel”) do que propriamente a um modo próprio de cantar. Ou seja, Antônia reflete uma estrutura conservadora de poder e do papel do cantor (do artista) na perpetuação desse estado de coisas, pois o artista quer mais “se dar bem” (é individualista) do que mudar uma realidade ou mesmo refletir sobre sua linguagem particular. É nisso que Antônia se alinha a Dois Filhos de Francisco com o indireto “elogio ao atraso”, mas, ainda assim, não se deve negar a beleza, a paixão, a entrega e a humanidade da linguagem da diretora que chegam a turvar o nosso olhar para esses aspectos, digamos, sociológicos que o filme esbarra.

 

Comentários

Anônimo disse…
Gosto, como muitos, do primeiro filme da Tata Amaral - talvez o segundo ou terceiro melhor filme da dita Retomada. Em igual medida, não gosto do Através da Janela. Infelizmente, ainda não vi o Antônia. Pensando em Cidade dos Homens e na sua fonte (Cidade de Deus), eu meio que recusei a série pós-Antônia. Vejo que, em relação ao novo da Tata, minhas preocupações não precisam ser tantas. Espero realmente que ele não esteja na mesmice dos filmes sobre as favelas/periferias. ABs.
Bruno Amato disse…
Ikeda, finalmente to fazendo a reforma que prometi no meu blog! Vai lá ver como está ficando. Um abraço.
Anônimo disse…
Achei a série televisiva um desperdício do tempo existente na tv aberta (sem contar que é velha mesmice de sempre, a mesma realidade já focada em Acerola e Laranjinha e Carandiru- Outras Histórias). Porém, muita gente que viu o filme me recomendou (diserram que são outros quinhentos), no entanto ainda não tive tempo de assistir. Abraços do crítico da caverna.
Anônimo disse…
Estou passando para falar sobre o meu novo blog (http://claque-te.blogspot.com) onde eu escreverei sobre filmes que chamaram minha atenção enquanto que o the cave ficará como um panorama global do
que está rolando na sétima arte ultimamente. Além disso, há textos meus de 15 em 15 dias no portal
Reação Cultural (http://reacaocultural.blogspot.com), uma revista virtual da qual participo.

Abraços do crítico da caverna.

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