O ano em que meus pais saíram de férias
de Cao Hamburger
São Luiz 3 qua 8 21hs
* 1/2


A primeira coisa que me veio à cabeça no meio da projeção do esperado novo filme do Cao Hamburger foi um filme romeno. Pode parecer estranho, mas foi isso, um filme romeno que vi no Festival do Rio, e que deve ser lançado no ano que vem, já que foi comprado pela Pandora, chamado Como Festejei o Fim do Mundo. Crititiquei um pouco esse filme romeno por ser um "filme de exportação", em que os dramas da Romênia comunista, sob o regime de Ceausescu, viravam pano de fundo para uma crônica da descoberta da adolescência, que se revelava o interesse principal da história. O Ano em que meus pais saíram de férias é exatamente isso, mas enquanto o filme romeno tinha uma ambiguidade na construção da personagem, um desejo de linguagem, reviravoltas narrativas que prendiam o interesse, este filme brasileiro procura sempre o lado mais fácil da narrativa, o lugar-comum, o feijão-com-arroz. Dada a dificuldade dos diretores brasileiros em fazerem o bê-a-bá do cinema de exportação, a gente sai com uma impressão positiva, porque Cao Hamburger é um técnico competente, mas a verdade é que o filme acrescenta muito pouco tanto em relação a um novo olhar sobre o período (a ditadura brasileira) quanto a um novo olhar sobre a condição da infância. Ou seja, enquanto o filme romeno busca, por trás do cinema de exportação, um olhar subversivo em relação à personagem da menina (que se revolta contra a escola e contra a família), o filme brasileiro busca uma acomodação do olhar, um conformismo, um "cinema de sempre", ou que simplesmente simpatizemos com aquele menininho bonito, sem trazer nada muito além disso.

Os pais têm que fugir porque são guerrilheiros. O menino vai pra casa do avô, mas chega lá no dia da sua morte. Fica com um vizinho judeu, velho e carrancudo. É véspera da Copa do Mundo, o garoto vai fazendo amizades e vive a vida.

O lado mais interessante do filme é quando ele se debruça sobre a amizade. É um filme sobre a solidão, porque o menino resolve ficar trancado na casa do avô falecido, e aos poucos descobre a necessidade de interagir com as pessoas. Não é à toa que o menino se interessa por ser goleiro (o título original era "Minha vida de goleiro"), porque o goleiro é um ser solitário dentro da partida, uma figura estranha, mas essa associação acaba ficando muito pálida e longe do filme, que toma outras direções, a da crônica de costumes sobre a infância (o menino olha pelo buraco da fechadura mulheres se despindo, e por aí vai). Mas como dizíamos, o menino e o velho judeu vão fazendo uma amizade nada convencional, e essa possibilidade de convívio com a diferença (de idades, de gerações, de costumes, de religiões) é o que o torna um filme sobre a amizade, e mais, sobre a tolerância com a diferença, muito significativa, já que o filme se passa sobre a ditadura militar.

Mas a forma como se apresenta isso e como o roteiro trabalha com essa premissa é muito conservadora (pelo menos dado o meu desejo por um cinema mais livre...). O filme tem uma linguagem segura, pois Hamburger não é um amador, mas alguns cacoetes de linguagem me incomodaram (o começo todo mudando o foco do fundo para o primeiro plano, ou vice-versa, quase um recurso publicitário,etc.). Ou coisas do roteiro que ficaram estranhas, como o sumiço do personagem do Caio Blat no final, ou a menina não trazer as figurinhas pro garoto no início, etc (aliás, a atuação dessa menina é uma das melhores coisas do filme...). Só gostei bastante do plano-sequencia em steadicam quando o velho mostra ao menino o que tem no quarto no final do filme (não vou contar para quem não viu), ou do menino caminhando sozinho pela rua durante a final da Copa do Mundo.

Em termos de cinema brasileiro, interessante: um filme médio caprichado, bem produzido, correto, com tudo no lugar, que tem um apelo internacional, bem intencionado. Para quem gosta de cinema, no entanto, um tanto decepcionante. Gostei mais de Castelo Rá-Tim-Bum, que também tem uma visão um tanto melancólica da infância, sobre a solidão, etc (é interessante pensar o que tem em comum os dois filmes do Hamburger), mas neste último a necessidade da correção atrapalha o filme.

Comentários

Cinecasulófilo disse…
só hoje percebo que o primeiro titulo do filme do Cao Hamburger (Minha vida de goleiro) já mostra que o filme pretende ser uma combinação de um "Minha vida de cachorro" com "O medo do goleiro diante do penalti". Claro, não consegue ser nem um nem outro.

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