Passaporte Húngaro

Um Passaporte Húngaro

De Sandra Kogut

DVD ter 17

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Um Passaporte Húngaro é um filme de estréia: um filme discreto mas que apresenta de forma coerente uma visão do ofício da realização de cinema e uma visão de mundo. A diretora faz uma espécie de amálgama entre o documentário reflexivo, participativo e observacional. Reflexivo porque é uma autobiografia: mostra a kafkiana peregrinação da própria diretora pela burocracia dos consulados em busca de um passaporte húngaro, de ter a cidadania húngara, já que seus avós são imigrantes húngaros. Participativo porque, evidentemente, ela interage diretamente com as pessoas ao seu redor para esclarecer as condições para que obtenha o passaporte. E observacional, porque, embora interagindo, o maior desejo da câmera é se manter neutra, como se fosse um registro do percurso da diretora em busca do passaporte.

 

As três formas de documentário se mesclam de forma orgânica graças a um recurso extremamente acertado empregado pela realizadora. A diretora nunca aparece em quadro, mas sempre “atrás da câmera”. Sua presença se dá portanto pela voz, e não pela imagem. E, claro, pelo olhar, porque o filme se desenvolve como se fosse o seu ponto-de-vista (tanto objetivo quanto subjetivo) da situação. Por isso, quase sempre este documentário participativo (pois a diretora pergunta, tem voz, etc.) se revela observacional, pois suas perguntas não são recursos de imposição a priori de um discurso ou de confronto participativo do realizador com o objeto filmado, e sim que a própria realizadora se revela sujeito e objeto do olhar. É como se a câmera “registrasse” sua intervenção “pela voz” e não pela imagem.

 

O filme mostra um percurso (da realizadora, do filme) em busca de um passaporte húngaro. Filme-processo, mais que resultado final. O que poderia ser também um olhar kafkiano sobre a burocracia acaba virando um percurso pelos meandros jurídicos pela busca de um passado e de uma identidade. Mas por que essa brasileira quer um passaporte húngaro? O filme não explica os motivos, mas o início chega a sugerir uma possibilidade de oportunismo, devido à iminente entrada da Hungria na União Européia.

 

O filme de Kogut é íntimo no trato com as pessoas diante das câmeras, todo envolvido por uma sutileza na composição do plano e do corte. Uma visão da intimidade: uma consciência de estilo para que nos passe a impressão de um despojamento, quando no fundo (é claro) há todo um trabalho para que pareça espontâneo. É nesse olhar humano para os meandros do processo que o filme ganha vida.

 

No final, ela consegue uma identidade provisória. O que se é passar a ser função do que se pode ser, ou seja, de uma política de imigração, etc. E aí tem um plano bonito (que é o último do filme) que mostra todo o cinema simples mas articulado de Kogut: a voz off no tempo de espera do fiscal do trem revela que o que se é vai muito mais além de um passaporte ou de uma declaração escrita.

 

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