NAM JUNE PAIK
Nam June Paik
A Mostra Nam June Paik no Centro Cultural Telemar foi um dos maiores acontecimentos cinéfilos do ano, a ponto de virar matéria dos caderninhos culturais cariocas (oh!), e despertar a atenção para os eventos “multimídia” do CCT. A “videoarte” (eta termo ruim!) cada vez mais vira moda, então as matérias abordaram NJP como “o pai da videoarte”, onde tudo começou, a árvore em torno do qual todos os frutos buscaram inspiração (ooh!). A mostra foi dividida em fases, por anos, formando um tripé. Eu adoro isso de não ter sessão fixa: as pessoas entram e saem, sem muita rigidez (esse esquema tradicional de ver o cinema está cada vez mais chato). É claro que às vezes gera problemas (tipo o som de uma sala invade a outra, uma criança te taca um travesseiro, etc), mas cinema é isso mesmo, ou pelo menos esses filmes do NJP podem ser assistidos assim sem grande perda.
Fiquei animado porque é um tipo de evento que nos passa uma sensação de liberdade: acompanhar cerca de quatro décadas de um trabalho consistente sobre o audiovisual. E para mim é interessante porque NJP trabalha elementos entre uma arte ocidental e oriental.
Os primeiros filmes dos anos sessenta (os filmes de “iniciação” ou de “descoberta”) foram os que mais me atraíram. Apesar de a técnica utilizada (os efeitos de cor e de distorção da imagem) hoje parecem completamente caricatos e ultrapassados, é visível um trabalho coerente e articulado com os elementos de linguagem. Desde os primeiros trabalhos simples sobre a expressão (Hand and face, 1961 e Button happening, 1965), passando pelos trabalhos com a imagem, seja pela cor, seja pela forma, seja pelo enquadramento. NJP utiliza também ruídos e distorções de cores como efeitos expressivos. O ruído aqui passa a ser som. A TV – e a “interferência” da imagem da câmera com a TV – gera uma imagem outra, um ganho, uma nova forma de ver. E NJP nesse período faz vários exercícios pensando a textura dessa nova imagem. Dessa fase, o trabalho que mais me impressionou foi o Cinema metaphysique, porque se parece bastante com a idéia dos meus filmes abstratos. Há um quadro dentro do quadro, o que provoca um desequilíbrio nítido. Há um retângulo na parte superior do quadro, ou na parte lateral esquerda, ou na parte inferior, e dentro desse retângulo, parte do corpo humano: uma mão, olhos, etc. Todo o resto (fora do retângulo) é a tela negra. (Ou seja, a partir disso NJP “reinventa” o enquadramento, ou a própria tela de exibição). O cinema, o corpo, a expressão, a fabricação da linguagem, o quadro, a metafísica, o humano estão todos lá.
Nos anos 70, o trabalho de NJP com a linguagem da TV e suas manipulações ganhou um contorno mais político. As imagens não são entendidas meramente como imagens, mas como formadoras de um código próprio que age sobre o espectador, ou seja, um “discurso”. Ao mesmo tempo, há um fascínio por esses códigos, e ao mesmo tempo há uma crítica, porque essas imagens têm um certo frescor de linguagem. Essa ambigüidade faz com que esses filmetes de NJP nunca caiam no panfleto meio pós-estruturalista sobre a TV, mas não deixam de se inserir nesse debate. Nisso, o deboche, a ironia passam a estar presentes. A TV passa a ser associada como elemento de arte, meio na linha do processo de um Warhol (TV Cello, TV Bed, etc). De outro lado, trechos de comerciais mostram uma frivolidade dos ensaios publicitários mas são mesclados com movimentos do corpo e com efeitos de cores e formas (o exemplo típico é o Global Groove, talvez o trabalho que melhor sintetiza o universo de NJP). Desses o que mais gostei foi o Eletronic Yoga, exatamente porque tenta combinar essa fascinação e repulsa de modo ambíguo com uma combinação dos lados oriental e ocidental. Yoga e TV. Ao mesmo tempo que Yoga e Beatles com a TV tornam-se produtos de uma cultura de massa, tornam-se mostram coisas outras que não necessariamente isso.
Os filmetes dos últimos vinte anos mostram uma espécie de síntese desse trabalho anterior: mostram de um lado a rebeldia do artista contestador e seu trabalho de linguagem com a TV, com os elementos de linguagem (a montagem, o som, a cor, as formas, como o típico cinema de NJP). E tbem ao meu ver uma espécie de trabalho sobre a memória, já que vários desses trabalhos últimos passam mesmo a idéia de uma compilação, com trechos dos filmes antigos sendo repostos, reavaliados, reincorporados, reinterpretados, ou seja, virando outra coisa, dentro desses filmes outros. A montagem e a presença da música evidenciam como NJP não parou no tempo mas atualizou sua técnica no contexto das novas tecnologias. Ainda, esses vídeos mostram live performances do artista, destruindo pianos, queimando coisas, desenhando objetos esquisitos, questionando os limites da arte e do comportamento do artista. Às vezes meio naive, às vezes meio arrogante, às vezes meio repetitivo, mas é NJP (Ou seja, gostei mais dos filmes do que das performances hehehe).
Filmetes vistos:
Hand and face, 1961
Button happening, 1965
Early color TV manipulations, 1965-1971
Video tape study #3, 1967-69
Cinema metaphysique #2,3,4, 1967-72
Video commune (beatles from beginning to end), 1970-92
TV cello premiere, 1971
TV bed, The Everson museum of art, 1972
Eletronic opera #1 (from the medium is the medium), 1972
Waiting for the commercials, 1972
Eletronic yoga, 1972-92
Eletronic opera #2
Global groove, 1973
My mix ´81, 1981
Vusac NY, 1984
Tiger lives, 1999
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