Imitação da Vida

(R) Imitação da Vida

De Douglas Sirk

VHS, sab 17 jun

***

 

O último filme de Sirk nos Estados Unidos, produzido por Ross Hunter, é tudo o que um último filme pode ser: uma despedida afetuosa, uma declaração de princípios do que é o cinema e a vida. Imitação da Vida, no título que diz tudo sobre o que é o filme, começa com uma das mais fantásticas cartelas do cinema americano: sobre fundo preto, caem diamantes, que cobrem a tela. Além de apresentar o contexto racial que está presente no filme, é um espelho da condição desse cineasta que sempre foi um estrangeiro em Hollywood. Por trás de seus melodramas baratos, Sirk, mais que um retrato dessa América dos anos cinqüenta, em pleno apogeu da Guerra Fria, faz um filme afetuoso sobre “a miséria da condição humana”, sobre a falência do poder. Imitação da Vida é uma espécie de Cidadão Kane, já que todo o sonho da atriz Lora Meredith (Lana Turner, canastra como sempre), desmorona ao final, ainda que o suposto final feliz tente encobrir. Todo o seu sucesso parece uma bolha de sabão. “É disso que são feitos os sonhos”, ocos, tolos, como os diamantes sobre o fundo austero do início do filme. Mas o que é mais emocionante é que a história dessa mulher se confunde com a história desse próprio diretor alemão, que saiu do teatro de seu país natal para tentar ganhar a vida como diretor de Hollywood. Conseguiu, fazendo grandes obras de sucesso comercial, mas no ápice de sua carreira, justamente após esse filme, saiu de Hollywood, voltando para sua terra natal para dar aulas de teatro, o que o fez até o fim de sua vida.

 

Imitação da Vida é um melodrama de estúdio, com figurinos luxuosos, com a trilha sonora lacrimejante, etc, etc. Mas é o que de melhor o mainstream americano sabe fazer, porque é a história de uma vida contada com uma imensa dignidade e com um imenso olhar para esses personagens. Sirk nunca hesita em apontar os pontos fracos dos seus mocinhos, e isso é o que dá força aos seus filmes. Neste, as mães são extremamente corajosas para vencer a vida sem seus homens, mas fracassam como mães: sua luta foi incapaz de fazer com que suas filhas tivessem uma vida melhor do que a sua. Preocupadas com suas questões pessoais (uma negligenciando, outra superprotegendo), não conseguem trocar uma única palavra verdadeira para com elas.

 

É um filme tbem sobre “o preço pago” para chegar ao sucesso. E isso é muito sério, e muito pesado como Sirk aponta para isso. Tolos, os personagens lutam mas não saem do lugar. É como se a vida fosse um “cobertor curto”: você resolve um problema e não percebe que existem outros! Tantos outros! Afinal, é um melodrama, a vida é difícil, as pessoas têm problemas e não conseguem ver coisas a um palmo do seu nariz porque têm preconceitos e limites.

 

O filme fala tbem de preconceito: preconceito de cor, de origem, do sexo feminino, do “ser artista”. Imitação da Vida é uma tragédia porque tudo dá errado exatamente porque todos têm razão e todos se esforçam para que as coisas dêem certo.

 

É inacreditável a forma como Sirk ilumina seus filmes. Dentro da opulência daquele cinema de estúdio, colorido e encantado, há um profundo senso de fatalismo (ora, é um diretor alemão!), e um profundo pesar, um profundo lamento por tudo ser dessa forma. Claro, alguns lêem como uma certa ironia ao modo de vida americano, e eu acho que se tem isso tem tbem uma coisa universal, maior, que preenche seus filmes: a impossibilidade de vivermos uma vida verdadeiramente humana. Esse destino trágico está lá em todo o filme, desde o primeiro plano, na forma como Sirk ilumina as cenas, o que confere uma incrível unidade ao filme, o que mostra um certo distanciamento crítico do diretor em relação a esse universo. Há sempre sombras, penumbras, escadas, passagens de meias-luzes entre as cenas de “altas luzes” e de brilhos.

 

Há o final, sim, um terrível final, duro de se ver. É a despedida de Sirk no cinema, uma espécie de enterro e de muro de lamentações. O estúdio praticamente obrigou Sirk a fazer um final feliz, em que a filha Sarah Jane volta e pede desculpas para a mãe, o que praticamente acaba com o filme do Sirk. Mas o sábio diretor paga as lições de Murnau em A última Gargalhada, e faz um falso final feliz, amargo, estranho. A empregada negra guardou todas as suas economias para um enterro opulento, com quatro cavalos brancos levando a carruagem. No céu ela pode ser feliz. E ela deve comemorar por isso. Os cavalos brancos estão lá, e é inacreditável. Está todo mundo lá dentro da carruagem: a empregada no caixão, a filha Sarah Jane, a filhinha de Lora (feita pela Sandra Dee) e o John Gavin. A família americana, ali dentro. Dureza. De um diamante ou de uma bolha de sabão, “é disso que são feitos os sonhos”.

Comentários

Anônimo disse…
Na época, quando o vi em Natal pela primeira vez, pareceu-me um melodrama barato. Hoje tenho-o em grande conta; pode não ser uma obra-prima, mas é um filme ótimo, sem dúvida. Um grande abraço.
Anônimo disse…
É uma grande lição de vida. Tá tudo
lá ! É um espelho. Basta prestar bastante atenção e a gente se vê e aprende.
Unknown disse…
Zanza de Sorocaba disse...adorei esse filme, quando assisti pela primeira vez eu era uma criança, acho que tinha uns 10 anos...eu amei o filme e estou atrás de uma cópia..alguém poderia me informar onde comprar ??
Cinecasulófilo disse…
rosangela, de fato é incrivel como o filme nao saiu em DVD no Brasil... ele passa (pelo menos passava) no telecine, que é a cópia que eu tenho... fique de olho....

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