Imitação da Vida
(R) Imitação da Vida
De Douglas Sirk
VHS, sab 17 jun
***
O último filme de Sirk nos Estados Unidos, produzido por Ross Hunter, é tudo o que um último filme pode ser: uma despedida afetuosa, uma declaração de princípios do que é o cinema e a vida. Imitação da Vida, no título que diz tudo sobre o que é o filme, começa com uma das mais fantásticas cartelas do cinema americano: sobre fundo preto, caem diamantes, que cobrem a tela. Além de apresentar o contexto racial que está presente no filme, é um espelho da condição desse cineasta que sempre foi um estrangeiro
Imitação da Vida é um melodrama de estúdio, com figurinos luxuosos, com a trilha sonora lacrimejante, etc, etc. Mas é o que de melhor o mainstream americano sabe fazer, porque é a história de uma vida contada com uma imensa dignidade e com um imenso olhar para esses personagens. Sirk nunca hesita em apontar os pontos fracos dos seus mocinhos, e isso é o que dá força aos seus filmes. Neste, as mães são extremamente corajosas para vencer a vida sem seus homens, mas fracassam como mães: sua luta foi incapaz de fazer com que suas filhas tivessem uma vida melhor do que a sua. Preocupadas com suas questões pessoais (uma negligenciando, outra superprotegendo), não conseguem trocar uma única palavra verdadeira para com elas.
É um filme tbem sobre “o preço pago” para chegar ao sucesso. E isso é muito sério, e muito pesado como Sirk aponta para isso. Tolos, os personagens lutam mas não saem do lugar. É como se a vida fosse um “cobertor curto”: você resolve um problema e não percebe que existem outros! Tantos outros! Afinal, é um melodrama, a vida é difícil, as pessoas têm problemas e não conseguem ver coisas a um palmo do seu nariz porque têm preconceitos e limites.
O filme fala tbem de preconceito: preconceito de cor, de origem, do sexo feminino, do “ser artista”. Imitação da Vida é uma tragédia porque tudo dá errado exatamente porque todos têm razão e todos se esforçam para que as coisas dêem certo.
É inacreditável a forma como Sirk ilumina seus filmes. Dentro da opulência daquele cinema de estúdio, colorido e encantado, há um profundo senso de fatalismo (ora, é um diretor alemão!), e um profundo pesar, um profundo lamento por tudo ser dessa forma. Claro, alguns lêem como uma certa ironia ao modo de vida americano, e eu acho que se tem isso tem tbem uma coisa universal, maior, que preenche seus filmes: a impossibilidade de vivermos uma vida verdadeiramente humana. Esse destino trágico está lá em todo o filme, desde o primeiro plano, na forma como Sirk ilumina as cenas, o que confere uma incrível unidade ao filme, o que mostra um certo distanciamento crítico do diretor em relação a esse universo. Há sempre sombras, penumbras, escadas, passagens de meias-luzes entre as cenas de “altas luzes” e de brilhos.
Há o final, sim, um terrível final, duro de se ver. É a despedida de Sirk no cinema, uma espécie de enterro e de muro de lamentações. O estúdio praticamente obrigou Sirk a fazer um final feliz, em que a filha Sarah Jane volta e pede desculpas para a mãe, o que praticamente acaba com o filme do Sirk. Mas o sábio diretor paga as lições de Murnau em A última Gargalhada, e faz um falso final feliz, amargo, estranho. A empregada negra guardou todas as suas economias para um enterro opulento, com quatro cavalos brancos levando a carruagem. No céu ela pode ser feliz. E ela deve comemorar por isso. Os cavalos brancos estão lá, e é inacreditável. Está todo mundo lá dentro da carruagem: a empregada no caixão, a filha Sarah Jane, a filhinha de Lora (feita pela Sandra Dee) e o John Gavin. A família americana, ali dentro. Dureza. De um diamante ou de uma bolha de sabão, “é disso que são feitos os sonhos”.
Comentários
lá ! É um espelho. Basta prestar bastante atenção e a gente se vê e aprende.