Ela e o Secretário
Ela e o Secretário
De Mitchell Leisen
Telecine Classic (VHS), sab 24 jun 15hs
***
O Pedro Camargo uma vez me disse que se pode fazer um filme que fale muito para poucas pessoas, ou então um filme que fale pouco para muitas pessoas, e que numericamente ambos podem acabar dando o mesmo efeito. É claro que fiquei com vontade de retrucar que nesse sentido então seria melhor que o filme falasse muito para muitas pessoas, mas a frase nos dá um bom norte sobre o cinema comercial americano. As screwball comedies de Leisen acabaram, com o tempo, tendo menos prestígio crítico do que alguns de seus conterrâneos, como Hawks e Wilder. Sofisticadas à sua maneira, mas mais convencionais, não conseguiram nem o ritmo frenético dos filmes de Hawks nem a crítica ferina ao American way of life de Preston Sturges. Sim, porque Leisen nunca escondeu o propósito de seu cinema: era o de falar pouco para muitas pessoas. Mas entre essas muitas pessoas, havia algumas para as quais alguns de seus filmes falou muito, e entre elas estavam pessoas como Bracket e Wilder.
Ela e o Secretário é um filme sobre como conseguir contratos milionários de publicidade não exatamente por causa da qualidade de seus produtos, mas pelo “jeitinho” com que se seduz os donos das empresas contratantes. Mas o filme já começa com um arroubo de metalinguagem: os créditos do filme são como os “croquis” de publicidade sendo aprovados pelo diretor. Com isso, em meio às reviravoltas tradicionais das screwball comedies, Leisen, que nunca assinou um roteiro de seus filmes, desenvolve o tema típico da sua filmografia: como as pressões do American way of life pela busca do poder e do dinheiro fazem com que as pessoas assumam “identidades alternativas” que escondam o seu verdadeiro eu. Rosalind Russell e Fred MacMurray são artistas frustrados que acabam no ramo da publicidade. Ainda que no final, mesmo tendo oportunidades de finalmente entrarem de vez no sistema, escolham o seu “trailler no México”, ou seja, buscam o amor e seu ideal pessoal, o clima romântico (e cômico) atenua a crítica ao sistema. Mas não tem problema: a função de Leisen é falar pouco para muitas pessoas.
Mas o que impressiona no simples trabalho de artesania de Leisen em Ela e o Secretário é sua habilidade em compor cenários e figurinos (uma característica de seus filmes, já que ele começou no cinema nessa função), e especialmente em como a decupagem (simples, funcional) faz um paralelo com o vazio da vida desses personagens mesmo em meio ao movimento frenético do cotidiano da publicidade. São as câmeras que se movimentam discretamente por corredores esguios, é o uso calculado em alguns momentos da profundidade de campo, é a posição em que os personagens se sentam (às vezes distantes um do outro, valorizado pela posição de câmera). Nesses momentos, percebemos que o cinema de Leisen não é tão ingênuo para utilizar os elementos de linguagem da narrativa clássica, ainda que seus filmes estejam condenados, desde o princípio, a serem meros veículos de diversão refinada e de desfile de um elenco estelar. Ainda assim, em seus melhores momentos, Leisen consegue imprimir uma marca pessoal, um jeito próprio de falar sobre o cinema e a vida, ainda que de forma extremamente discreta, e para admiradores de seu cinema (como eu), essa tentativa chega até a emocionar.
De Mitchell Leisen
Telecine Classic (VHS), sab 24 jun 15hs
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O Pedro Camargo uma vez me disse que se pode fazer um filme que fale muito para poucas pessoas, ou então um filme que fale pouco para muitas pessoas, e que numericamente ambos podem acabar dando o mesmo efeito. É claro que fiquei com vontade de retrucar que nesse sentido então seria melhor que o filme falasse muito para muitas pessoas, mas a frase nos dá um bom norte sobre o cinema comercial americano. As screwball comedies de Leisen acabaram, com o tempo, tendo menos prestígio crítico do que alguns de seus conterrâneos, como Hawks e Wilder. Sofisticadas à sua maneira, mas mais convencionais, não conseguiram nem o ritmo frenético dos filmes de Hawks nem a crítica ferina ao American way of life de Preston Sturges. Sim, porque Leisen nunca escondeu o propósito de seu cinema: era o de falar pouco para muitas pessoas. Mas entre essas muitas pessoas, havia algumas para as quais alguns de seus filmes falou muito, e entre elas estavam pessoas como Bracket e Wilder.
Ela e o Secretário é um filme sobre como conseguir contratos milionários de publicidade não exatamente por causa da qualidade de seus produtos, mas pelo “jeitinho” com que se seduz os donos das empresas contratantes. Mas o filme já começa com um arroubo de metalinguagem: os créditos do filme são como os “croquis” de publicidade sendo aprovados pelo diretor. Com isso, em meio às reviravoltas tradicionais das screwball comedies, Leisen, que nunca assinou um roteiro de seus filmes, desenvolve o tema típico da sua filmografia: como as pressões do American way of life pela busca do poder e do dinheiro fazem com que as pessoas assumam “identidades alternativas” que escondam o seu verdadeiro eu. Rosalind Russell e Fred MacMurray são artistas frustrados que acabam no ramo da publicidade. Ainda que no final, mesmo tendo oportunidades de finalmente entrarem de vez no sistema, escolham o seu “trailler no México”, ou seja, buscam o amor e seu ideal pessoal, o clima romântico (e cômico) atenua a crítica ao sistema. Mas não tem problema: a função de Leisen é falar pouco para muitas pessoas.
Mas o que impressiona no simples trabalho de artesania de Leisen em Ela e o Secretário é sua habilidade em compor cenários e figurinos (uma característica de seus filmes, já que ele começou no cinema nessa função), e especialmente em como a decupagem (simples, funcional) faz um paralelo com o vazio da vida desses personagens mesmo em meio ao movimento frenético do cotidiano da publicidade. São as câmeras que se movimentam discretamente por corredores esguios, é o uso calculado em alguns momentos da profundidade de campo, é a posição em que os personagens se sentam (às vezes distantes um do outro, valorizado pela posição de câmera). Nesses momentos, percebemos que o cinema de Leisen não é tão ingênuo para utilizar os elementos de linguagem da narrativa clássica, ainda que seus filmes estejam condenados, desde o princípio, a serem meros veículos de diversão refinada e de desfile de um elenco estelar. Ainda assim, em seus melhores momentos, Leisen consegue imprimir uma marca pessoal, um jeito próprio de falar sobre o cinema e a vida, ainda que de forma extremamente discreta, e para admiradores de seu cinema (como eu), essa tentativa chega até a emocionar.
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