CARTA NASCENTE
Agora que recebi uma resposta, coloco aqui no blog carta que enviei para o Helvécio, sobre o seu curta NASCENTE, uma das melhores coisas que vi recentemente do cinema nacional. Estou pegando com o Rosemberg o gosto de enviar cartas....rs
Caro Helvécio,
Estou lhe escrevendo ainda sobre o impacto do Festival de São Paulo. Cada vez mais me convenço de que os festivais não são para pessoas como eu, que simplesmente quer fazer cinema por uma necessidade pessoal. A quantidade de pessoas deslumbradas que fazem filmes para mandar beijinho é impressionante.
Mas vamos ao que interessa. No meio de 90% de filmes lamentáveis, eis que surge um trabalho que se destaca de todos os outros, pela coerência, pela coragem, pela sabedoria com que trabalha a linguagem articulada a um sentido de mundo, a um sentimento de cinema.
Este trabalho é o NASCENTE.
Fiquei muito comovido pelo filme. Através do Rio São Francisco, o filme é uma viagem poética por um Brasil interior (um Brasil verdadeiramente interior, e não o interior de Dois Filhos de Francisco, evidentemente). Nesse percurso cabe todo o cinema brasileiro: está lá o interior dos filmes de Candeias, a frágil canoa de Limite, o sertão-mar de Deus e o Diabo, está lá o mar revolto de alguns dos filmes do Bressane. Está lá o cinema brasileiro, puro e desvirginado, poluído e prostituído. Está lá pulsando discretamente todo um Brasil, um Brasil interior que percorre vários estados, de Minas a Bahia, mas sem nenhum “panfletarismo regionalista” que tanto tem assolado nosso cinema. Há também – e isso é muito emocionante – todo um cinema poético mineiro, todo um percurso de um certo cinema que se vem buscando, pelos seus amigos da Teia, pela jovem vanguarda mineira. Está lá também um percurso individual, um percurso pessoal: não só do próprio personagem que navega o barco, mas deste autor que guia os rumos do barco-filme. Está lá também uma investigação humilde sobre a natureza (não só das coisas como da condição humana), sobre a solidão, sobre o destino, sobre a vida nossa. Está lá um sentimento de cinema que se articula de forma muito íntima com um sentimento de mundo.
Esse rumo – poluído e puro, individual e coletivo, real e cinematográfico, poético e realista, ficcional e documental – também me fez colocar uma questão: é o homem que conduz o barco, ou o barco que é levado pela correnteza?
Mas todas as palavras são em vão. Fiquei contente em ver o filme pouco após ter te conhecido em Minas. Em constatar que o melhor cinema que se faz hoje no Brasil vem de Minas, vem do pessoal da Teia. Em ver que ainda se pode fazer um cinema de verdade no Brasil, em poder apresentar esse trabalho num festival, ainda que na mesma sessão de Eu Te Darei o Céu ou de Red. Hesitei muito em te mandar esse texto e nem quis falar contigo após a sessão, porque fiquei com medo de ser mal interpretado. Mas era preciso. Seu filme é muito valioso, ou pelo menos foi para aquele estudante de cinema, sentado na primeira fileira no Museu da Imagem e do Som. E eu queria que você soubesse disso.
É isso,
um abraço,
Cinecasulófilo.
* * *
Caro Helvécio,
Estou lhe escrevendo ainda sobre o impacto do Festival de São Paulo. Cada vez mais me convenço de que os festivais não são para pessoas como eu, que simplesmente quer fazer cinema por uma necessidade pessoal. A quantidade de pessoas deslumbradas que fazem filmes para mandar beijinho é impressionante.
Mas vamos ao que interessa. No meio de 90% de filmes lamentáveis, eis que surge um trabalho que se destaca de todos os outros, pela coerência, pela coragem, pela sabedoria com que trabalha a linguagem articulada a um sentido de mundo, a um sentimento de cinema.
Este trabalho é o NASCENTE.
Fiquei muito comovido pelo filme. Através do Rio São Francisco, o filme é uma viagem poética por um Brasil interior (um Brasil verdadeiramente interior, e não o interior de Dois Filhos de Francisco, evidentemente). Nesse percurso cabe todo o cinema brasileiro: está lá o interior dos filmes de Candeias, a frágil canoa de Limite, o sertão-mar de Deus e o Diabo, está lá o mar revolto de alguns dos filmes do Bressane. Está lá o cinema brasileiro, puro e desvirginado, poluído e prostituído. Está lá pulsando discretamente todo um Brasil, um Brasil interior que percorre vários estados, de Minas a Bahia, mas sem nenhum “panfletarismo regionalista” que tanto tem assolado nosso cinema. Há também – e isso é muito emocionante – todo um cinema poético mineiro, todo um percurso de um certo cinema que se vem buscando, pelos seus amigos da Teia, pela jovem vanguarda mineira. Está lá também um percurso individual, um percurso pessoal: não só do próprio personagem que navega o barco, mas deste autor que guia os rumos do barco-filme. Está lá também uma investigação humilde sobre a natureza (não só das coisas como da condição humana), sobre a solidão, sobre o destino, sobre a vida nossa. Está lá um sentimento de cinema que se articula de forma muito íntima com um sentimento de mundo.
Esse rumo – poluído e puro, individual e coletivo, real e cinematográfico, poético e realista, ficcional e documental – também me fez colocar uma questão: é o homem que conduz o barco, ou o barco que é levado pela correnteza?
Mas todas as palavras são em vão. Fiquei contente em ver o filme pouco após ter te conhecido em Minas. Em constatar que o melhor cinema que se faz hoje no Brasil vem de Minas, vem do pessoal da Teia. Em ver que ainda se pode fazer um cinema de verdade no Brasil, em poder apresentar esse trabalho num festival, ainda que na mesma sessão de Eu Te Darei o Céu ou de Red. Hesitei muito em te mandar esse texto e nem quis falar contigo após a sessão, porque fiquei com medo de ser mal interpretado. Mas era preciso. Seu filme é muito valioso, ou pelo menos foi para aquele estudante de cinema, sentado na primeira fileira no Museu da Imagem e do Som. E eu queria que você soubesse disso.
É isso,
um abraço,
Cinecasulófilo.
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