O Último Pôr-do-Sol

O Último Pôr-do-Sol
De Robert Aldrich
Telecine Classic, ter 22 março 22hs
***

Acabei de ver O Último Pôr-do-Sol e – cacildis! – como é difícil conseguir escrever algo sobre o filme nesse momento. Havia muito tempo que um filme não tinha me provocado um impacto emocional tão grande. No início, o filme me pareceu uma mistura de antigos sucessos, como um sub-John Ford de Rastros de Ódio ou um sub-Hawks de Rio Vermelho. E é exatamente isso, mas mesmo sendo isso é um grande, grande filme, na melhor tradição do grande e velho cinema americano. Um cinema de artesanato refinado, de grandes desafios formais, de grandes e pequenas histórias, e principalmente um cinema moral, um cinema ético, um cinema do desafio de ser da nação americana.

O Último Pôr-do-Sol é um filme sobre a perda, é um faroeste filmado à moda de um melodrama, com seus ritmos contemplativos, com seus grandes anti-heróis condenados à sombra de seu passado. O filme promove uma grande travessia moral, um “road movie” com pitadas existenciais.

Tecnicamente impecável, com grandes atuações, com um ritmo e uma montagem extremamente precisas, The Last Sunset é o cinema americano no que ele tem de melhor, em seu aspecto comercial e artístico. O filme coloca lá pela sua metade questões psicológicas representando as motivações dos personagens bastante complexas, e essas situações vão se complexificando cada vez mais. Não me cabe aqui contar a historia do filme, mas relações de culpa, de vingança, ódio, relações edipianas, sexuais, etc vão se intrincando de forma bastante complexa mas ao mesmo tempo acessível ao grande público, como o típico cinema americano.

O anti-herói representado por Kirk Douglas é um grande personagem, vivido em toda a sua força instintiva e toda a sua fragilidade, em uma atuação extraordinária de Kirk Douglas. Condenado pelo passado, fudido, ele caminha rumo a uma consciência de uma degradação moral, de uma irreversibilidade do passado. Acompanha tudo isso com enorme equilíbrio e auto-controle, sem nenhum momento sair de sua ética particular. A nossa vida vivida é realmente muito fudida, e às vezes não temos escolha: o destino nos pode ser cruel. A disputa por aquela mulher acaba assumindo proporções muito maiores: são dois Homens que representam dois lados de uma nação americana (não é à toa que o filme cita tanto a guerra, os combatentes do Norte e do Sul), dois lados que se ajudam numa missão comum (a travessia é num país outro, no México), mas quando chegam “em casa” é preciso acertar as contas definitivamente. A escolha de Aldrich, do filme, por um dos lados, é muito clara, muito sintomática, mas o filme tem uma profunda compaixão, um profundo entendimento dos méritos desse lado derrotado, mas “são os novos tempos”, é preciso caminhar, e a “seleção natural” das espécies é dolorosa, mas necessária. É preciso erguer “o grande edifício moral da nação americana”, e esse “soterramento” de um passado que não pode ser esquecido num presente tortuoso é doloroso mas cujo enterro é necessário. No final, há relações edipianas de grande complexidade e essa possível leitura “política” não esconde a profunda complexidade psicológica dos personagens. Mãe e filha, ciúmes, passado e presente, perdão e vingança, necessidade e contingência, força e instinto, o sentido de dever, o valor (isto é, qual dos dois “tem o pau maior”), etc, etc, etc. Um filme para nunca mais ser esquecido.

Ah, e tem uma cena de perseguição, no meio de uma tempestade de areia, que eu fiquei matutando comigo mesmo: eu precisaria de mais trinta anos mais tantas assistências de direção para conseguir filmar com tanta segurança um troço assim. Esse é o cinema americano. Belo filme do às vezes tão subestimado Robert Aldrich, competentíssimo artesão.

Comentários

Anônimo disse…
ik, esse filme quando eu vi uns três anos atrás mexeu pra caralho comigo. é um daqueles filmes que fica o gosto (amargo?) por muito tempo. gostei muito do texto. fudido mesmo. e bom ver que você esteja se empolgando com todos esses filmes que você tem visto. faz um bem danado. os outros textos também estão fudidos de bom. impressões diretas sobre um filme e sobre o que significa ver um filme pra você. do caralho. valeu. ricardo.

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