O Casamento de Romeu e Julieta
O Casamento de Romeu e Julieta
De Bruno Barreto
Palácio 2, sex 18 março 19hs
*
É certo que o clã dos Barretos tem provocado inúmeras trapalhadas no nosso cinema nacional, lutando pelo seu subdesenvolvimento para garantir o seu quinhão. Mas é preciso ir ao filme. E O Casamento de Romeu e Julieta está longe de ser um desastre. É certo também que a própria concepção do filme esbarra em um sem-número de limitações: o viés com que se vê uma proposta de cinema popular, o apelo fácil, a necessidade de estar tudo o tempo todo sempre pré-definido para o espectador, o flerte com a linguagem televisiva, etc, etc. Mas o filme acaba sobrevivendo, e algumas virtudes podem ser facilmente identificadas. Ao contrário da pose arrogante, superestimada e aristocrática de seu diretor, O Casamento é um filme pequeno, despretensioso, modesto em suas ambições e muito consciente disso. É um pequeno libelo a favor da tolerância, a favor de um resgate do humano, das individualidades, que podem se perder frente às instituições. É um filme também sobre a paixão, ou sobre como a paixão é diferente do instinto, ou sobre até que ponto se pode domesticar o instinto.
O início do filme apresenta de forma muito precisa o que está em jogo em O Casamento: a partir de um reflexo num vidro de um dos quartos da maternidade, o personagem de Luiz Gustavo sorri com o nascimento de sua única filha e com o campeonato de seu time. Por qual dos dois ele sorri mais? Já se apresenta uma das vertentes centrais do filme: o confronto entre a família e as instituições sociais. Marco Ricca (excelente) é uma espécie de herói trágico: seu amor o leva contra sua família e o clube.
O surgimento da paixão entre Ricca e Piovani é muito sugestiva. Luana o descobre no meio da torcida do inimigo Corinthians, isto é a partir de um olhar para o outro. Já Ricca descobre Luana apenas depois, no consultório médico, quando a encontra “olho no olho”. Seus olhos são verdes, absolutamente verdes, como o escudo do time adversário.
O Casamento também desenvolve alguns temas pessoais presentes nos últimos trabalhos de Bruno Barreto, especialmente a questão da possibilidade de contato entre pessoas de diferentes origens ou sobre a condição do estrangeiro. Marco Ricca acaba num meio-termo: não é nem palmeirense nem corinthiano. Vestindo a camisa verde, ele é um estrangeiro de si mesmo. Descoberto, não é mais recebido por sua família, considerado traidor. Sem pátria, sem identidade, Ricca é um ser bastardo, condenado pelo destino: condição do próprio cineasta. Não é à toa que um dos próximos trabalhos de Bruno Barreto é sobre Elisabeth Bishop, a poetisa inglesa que viveu décadas incompreendida no Brasil.
No entanto, essas ressalvas não escondem as limitações do projeto de O Casamento. Homenagem canhestra aos filmes do italiano Pietro Germi, a quem Bruno passou a idolatrar após uma retrospectiva de seus filmes no MoMa de Nova Iorque, onde ele atualmente vive, o filme possui uma grande dificuldade de a direção imprimir o tom mais adequado. Bruno certamente não se sente muito à vontade nas cenas de comédia, deixando mais na mão dos atores, e o envolvimento da direção é nitidamente maior nas cenas de drama (exemplo típico: a bela encenação da reação de Luiz Gustavo após a derrota do Palmeiras em Tóquio). Nos momentos em que o filme precisa de um ritmo mais ágil e de uma desenvoltura na movimentação dos personagens e nas cenas de comédia, o filme se ressente pela apatia e pela indecisão da direção. O maior exemplo é quando Luiz Gustavo invade o prédio de Marco Ricca, ou mesmo toda a cena que se passa no playground do prédio, bastante primária. As cenas da torcida de futebol no início do filme não comprometem, mas estão longe do calor humano de um jogo de verdade. A própria filmagem da cena dos jogos é sempre em plano geral, como se fosse o ponto de vista do torcedor da arquibancada, mas fria e distante, apenas ilustrativa, revelando o pouco interesse do diretor no envolvimento de seus personagens com o jogo em si. Ou seja, os méritos de O Casamento estão muito mais no roteiro do que nas soluções de decupagem e filmagem por parte da direção, que acabam soando pouco articuladas, especialmente se levarmos em conta que Bruno já tem na bagagem uns 10 longas, inclusive fora do Brasil.
Referências mais explícitas à cultura paulista ou a características dos torcedores de Corinthians e Palmeiras foram amenizadas para que o filme pudesse atrair pessoas de outros estados. Claro, porque sua história é universal, e por isso não vai incomodar nenhum carioca. Em termos de mercado, o filme tenta equilibrar seu lado masculino (o futebol, a comédia) com seu lado feminino (o romance, o casamento) para tentar atrair ambos os gêneros. Por isso, Marco Ricca é com quem os homens se identificam, o cara comum que não pode deixar escapar um avião como a gostosona da Piovani. Por outro, Piovani é a mulher comum, que tenta lutar por seu amor e não decepcionar seu pai, e gosta de um homem simples mas responsável e honesto.
Este é O Casamento de Romeu e Julieta, um filme brasileiro.
De Bruno Barreto
Palácio 2, sex 18 março 19hs
*
É certo que o clã dos Barretos tem provocado inúmeras trapalhadas no nosso cinema nacional, lutando pelo seu subdesenvolvimento para garantir o seu quinhão. Mas é preciso ir ao filme. E O Casamento de Romeu e Julieta está longe de ser um desastre. É certo também que a própria concepção do filme esbarra em um sem-número de limitações: o viés com que se vê uma proposta de cinema popular, o apelo fácil, a necessidade de estar tudo o tempo todo sempre pré-definido para o espectador, o flerte com a linguagem televisiva, etc, etc. Mas o filme acaba sobrevivendo, e algumas virtudes podem ser facilmente identificadas. Ao contrário da pose arrogante, superestimada e aristocrática de seu diretor, O Casamento é um filme pequeno, despretensioso, modesto em suas ambições e muito consciente disso. É um pequeno libelo a favor da tolerância, a favor de um resgate do humano, das individualidades, que podem se perder frente às instituições. É um filme também sobre a paixão, ou sobre como a paixão é diferente do instinto, ou sobre até que ponto se pode domesticar o instinto.
O início do filme apresenta de forma muito precisa o que está em jogo em O Casamento: a partir de um reflexo num vidro de um dos quartos da maternidade, o personagem de Luiz Gustavo sorri com o nascimento de sua única filha e com o campeonato de seu time. Por qual dos dois ele sorri mais? Já se apresenta uma das vertentes centrais do filme: o confronto entre a família e as instituições sociais. Marco Ricca (excelente) é uma espécie de herói trágico: seu amor o leva contra sua família e o clube.
O surgimento da paixão entre Ricca e Piovani é muito sugestiva. Luana o descobre no meio da torcida do inimigo Corinthians, isto é a partir de um olhar para o outro. Já Ricca descobre Luana apenas depois, no consultório médico, quando a encontra “olho no olho”. Seus olhos são verdes, absolutamente verdes, como o escudo do time adversário.
O Casamento também desenvolve alguns temas pessoais presentes nos últimos trabalhos de Bruno Barreto, especialmente a questão da possibilidade de contato entre pessoas de diferentes origens ou sobre a condição do estrangeiro. Marco Ricca acaba num meio-termo: não é nem palmeirense nem corinthiano. Vestindo a camisa verde, ele é um estrangeiro de si mesmo. Descoberto, não é mais recebido por sua família, considerado traidor. Sem pátria, sem identidade, Ricca é um ser bastardo, condenado pelo destino: condição do próprio cineasta. Não é à toa que um dos próximos trabalhos de Bruno Barreto é sobre Elisabeth Bishop, a poetisa inglesa que viveu décadas incompreendida no Brasil.
No entanto, essas ressalvas não escondem as limitações do projeto de O Casamento. Homenagem canhestra aos filmes do italiano Pietro Germi, a quem Bruno passou a idolatrar após uma retrospectiva de seus filmes no MoMa de Nova Iorque, onde ele atualmente vive, o filme possui uma grande dificuldade de a direção imprimir o tom mais adequado. Bruno certamente não se sente muito à vontade nas cenas de comédia, deixando mais na mão dos atores, e o envolvimento da direção é nitidamente maior nas cenas de drama (exemplo típico: a bela encenação da reação de Luiz Gustavo após a derrota do Palmeiras em Tóquio). Nos momentos em que o filme precisa de um ritmo mais ágil e de uma desenvoltura na movimentação dos personagens e nas cenas de comédia, o filme se ressente pela apatia e pela indecisão da direção. O maior exemplo é quando Luiz Gustavo invade o prédio de Marco Ricca, ou mesmo toda a cena que se passa no playground do prédio, bastante primária. As cenas da torcida de futebol no início do filme não comprometem, mas estão longe do calor humano de um jogo de verdade. A própria filmagem da cena dos jogos é sempre em plano geral, como se fosse o ponto de vista do torcedor da arquibancada, mas fria e distante, apenas ilustrativa, revelando o pouco interesse do diretor no envolvimento de seus personagens com o jogo em si. Ou seja, os méritos de O Casamento estão muito mais no roteiro do que nas soluções de decupagem e filmagem por parte da direção, que acabam soando pouco articuladas, especialmente se levarmos em conta que Bruno já tem na bagagem uns 10 longas, inclusive fora do Brasil.
Referências mais explícitas à cultura paulista ou a características dos torcedores de Corinthians e Palmeiras foram amenizadas para que o filme pudesse atrair pessoas de outros estados. Claro, porque sua história é universal, e por isso não vai incomodar nenhum carioca. Em termos de mercado, o filme tenta equilibrar seu lado masculino (o futebol, a comédia) com seu lado feminino (o romance, o casamento) para tentar atrair ambos os gêneros. Por isso, Marco Ricca é com quem os homens se identificam, o cara comum que não pode deixar escapar um avião como a gostosona da Piovani. Por outro, Piovani é a mulher comum, que tenta lutar por seu amor e não decepcionar seu pai, e gosta de um homem simples mas responsável e honesto.
Este é O Casamento de Romeu e Julieta, um filme brasileiro.
Comentários