Mar Adentro

Mar Adentro
De Alessandro Amenábar
Odeon, qua 2 demarço 18hs
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Há muito tempo eu não via um filme tão canhestro quanto este Mar Adentro. A proposta do filme é avessa a tudo o que eu espero que o cinema seja. Desde Olga, eu não me sentia tão ofendido vendo um filme. Acho que o cineasta, o realizador, precisa ter um mínimo de respeito com o espectador quando vai fazer um filme que lida com a emoção das pessoas, com a emoção do público e com a emoção de seus personagens. Meu problema com o filme não é que “seja um filme para as pessoas chorarem”. Até aí nada demais. Mas o problema é como o filme coloca isso, as estratégias que usa para atingir os seus objetivos. Tudo já é dado de antemão: é o filme mais didático possível, parece um Supercine, ou ainda, institucional a favor da eutanásia. É o cinema americano (sic) na sua face mais lamentável: manipulador, canhestro, didático, antiimaginativo, etc. O espectador comum fica aliviado, tem um sentimento bom quando acaba o filme, pois ele pelo menos tem a “liberdade” (argh!) de tentar mudar os seus pequenos problemas da vida, ele não é um tetraplégico como o protagonista. Ao mesmo tempo, o filme leva com que o espectador se identifique com os dramas do dito cujo porque todos nós temos problemas impossíveis de superar, todos nós temos “abismos de dois metros de distância”, etc. Em cima desse paradoxo, recurso básico do cinema americano, Amenábar faz o filme mais apelativo possível. É incrível como um filme desse tipo acaba tendo uma repercussão em termos de prêmios no circuito internacional. Um cinema falido, morto, canalha. E o diretor ainda usa as emoções de um tetraplégico para isso!! Que absurdo!!

Um tipo de estratégia do filme: há uma personagem, Rosa, que se encontra pela primeira vez com o tetraplégico, mas eles discutem, a conversa não foi boa. Ela tem um programa de rádio. No dia seguinte, ela pede desculpas ao vivo, e dedica a ele uma música da programação. É um momento bonito, porque Rosa está completamente sozinha no estúdio, e apenas com a voz e apesar da distância, ela precisa colocar uma emoção perdida. No entanto, só conseguimos saber o que está em jogo para Rosa se tivermos a consciência de que ela não sabe se sua dedicatória tem algum sentido, porque ela não sabe se o tetraplégico de fato está escutando ou não o programa. No momento da dedicatória, ela tem essa incerteza íntima. Mas como Amenábar encena isso? Ele corta para o quarto do tetraplégico, mostrando que ele está ouvindo o rádio. Esse plano me ofendeu muito!! Acho que ele foi completamente escroto com essa personagem, com sua intimidade, com o que estava em jogo naquele depoimento, que é não saber se ele estava ouvindo ou não. Já pensaram o que significa a possibilidade de um pedido de desculpas honesto, sincero, profundo, não ser sequer ouvido por quem teria que ouvi-lo? Então, por que cortar para o quarto? Sim, porque dado seu cinema didático, era preciso dar um conforto para o espectador, mostrar imediatamente que uma relação de amizade ali se construía, que ele estava ouvindo, etc ,etc.

O que significa liberdade? Segundo o Aurélio, o poder de fazer ou deixar de fazer alguma coisa. E como Mar Adentro encena seu “estudo sobre a liberdade”? Mar Adentro é um filme de propaganda, porque pega um ou dois chavões sobre a eutanásia e repete indefinidamente, até que se torne verdade. Mas creio que “liberdade” e “verdade” no cinema, na arte, na sociedade, na vida, significam a possibilidade de um olhar outro, humano, sem prontas respostas. Como ainda é possível viver de forma “livre”, “verdadeira”, num mundo em que as imagens estão tão banalizadas, em que tudo é um clichê? Fascista, Mar Adentro afasta o espectador desse caminho, porque tudo no filme já é previamente dado, não existindo portanto nenhum possibilidade de emoção, de carinho, de verdade, de cinema.

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