Duplo Suicídio em Amijima
Duplo Suicídio em Amijima
De Masahiro Shinoda
DVD, sab 19 março 15hs
***½
Duplo Suicídio em Amijima, primeiro filme de Shinoda lançado no Brasil, em mais um extraordinário lançamento em DVD da Magnus Opus, teria tudo para ser um melodrama vulgar. A história de um comerciante que deixa tudo para ficar com uma cortesã, e as contrapartidas morais de seu ato, não chega a ser uma grande novidade. Mas Duplo suicídio é um grande, grande filme, devido à encenação inovadora de Shinoda, devido ao seu olhar, à sua visão de cinema. Adaptando uma peça de Chikamatsu, Shinoda fez uma homenagem ao teatro de bonecos japonês, o “bunraku”. Com isso, acaba assumindo um olhar metalinguístico, e mantendo um distanciamento brechtiano, o que funciona como uma contrapartida ao impacto emocional produzido pelo melodrama. O início é extraordinário, mostrando os bastidores de uma montagem de uma versão da peça para o bunraku, para o palco japonês, com a montagem e o exercício de aquecimento dos bonecos e de seus títeres. Ao telefone, excutamos a voz do próprio Shinoda conversando com a atriz de seu filme, contando detalhes de produção sobre a cena final do filme que estamos começando a assistir, isto é, a cena do suicídio. Todo o filme se passa em interiores teatrais, com cenários muito instigantes, com paredes móveis não realistas que refletem o estado de espírito perturbado dos personagens. Ao final, no entanto, quando os dois personagens principais, o comerciante e a prostituta, se reencontram para o suicídio, o diretor opta pela filmagem em locação, passando por um cemitério e chegando a um trigal, de enorme efeito expressivo. Ao longo de todo o filme, com uma opulenta e misteriosa capa preta, estão os títeres dos próprios personagens do filme de Shinoda, espécie de semi-deuses invisíveis ao mundo da diegese mas que circulam pelo tableaux de Shinoda, visíveis a nós, os espectadores do filme. São encarnações do destino que perseguem esses personagens. Com uma decupagem quase religiosa que respeita intimamente o tempo de transformação desses personagens, seus dilemas éticos e suas fraquezas pessoais, Shinoda transforma o que poderia ser um melodrama banal num estudo sobre a fragilidade da natureza humana e sobre a representação no cinema. Apesar de algumas quebras de ritmo lá pelo miolo do filme, quando o melodrama às vezes fica excessivamente marcado, quebrando o rigor e a austeridade do trabalho, Duplo Suicídio é um trabalho extraordinário. Os primeiros quinze minutos, com a introdução do filme, e os quinze minutos finais, com as cenas do cemitério e do trigal, são antológicos. A cena em que o comerciante se enforca, com o auxílio tácito de seus títeres em suas vestes negras, é de um impacto cênico indescritível, quase como um filme de Paradjanov. Imperdível.
De Masahiro Shinoda
DVD, sab 19 março 15hs
***½
Duplo Suicídio em Amijima, primeiro filme de Shinoda lançado no Brasil, em mais um extraordinário lançamento em DVD da Magnus Opus, teria tudo para ser um melodrama vulgar. A história de um comerciante que deixa tudo para ficar com uma cortesã, e as contrapartidas morais de seu ato, não chega a ser uma grande novidade. Mas Duplo suicídio é um grande, grande filme, devido à encenação inovadora de Shinoda, devido ao seu olhar, à sua visão de cinema. Adaptando uma peça de Chikamatsu, Shinoda fez uma homenagem ao teatro de bonecos japonês, o “bunraku”. Com isso, acaba assumindo um olhar metalinguístico, e mantendo um distanciamento brechtiano, o que funciona como uma contrapartida ao impacto emocional produzido pelo melodrama. O início é extraordinário, mostrando os bastidores de uma montagem de uma versão da peça para o bunraku, para o palco japonês, com a montagem e o exercício de aquecimento dos bonecos e de seus títeres. Ao telefone, excutamos a voz do próprio Shinoda conversando com a atriz de seu filme, contando detalhes de produção sobre a cena final do filme que estamos começando a assistir, isto é, a cena do suicídio. Todo o filme se passa em interiores teatrais, com cenários muito instigantes, com paredes móveis não realistas que refletem o estado de espírito perturbado dos personagens. Ao final, no entanto, quando os dois personagens principais, o comerciante e a prostituta, se reencontram para o suicídio, o diretor opta pela filmagem em locação, passando por um cemitério e chegando a um trigal, de enorme efeito expressivo. Ao longo de todo o filme, com uma opulenta e misteriosa capa preta, estão os títeres dos próprios personagens do filme de Shinoda, espécie de semi-deuses invisíveis ao mundo da diegese mas que circulam pelo tableaux de Shinoda, visíveis a nós, os espectadores do filme. São encarnações do destino que perseguem esses personagens. Com uma decupagem quase religiosa que respeita intimamente o tempo de transformação desses personagens, seus dilemas éticos e suas fraquezas pessoais, Shinoda transforma o que poderia ser um melodrama banal num estudo sobre a fragilidade da natureza humana e sobre a representação no cinema. Apesar de algumas quebras de ritmo lá pelo miolo do filme, quando o melodrama às vezes fica excessivamente marcado, quebrando o rigor e a austeridade do trabalho, Duplo Suicídio é um trabalho extraordinário. Os primeiros quinze minutos, com a introdução do filme, e os quinze minutos finais, com as cenas do cemitério e do trigal, são antológicos. A cena em que o comerciante se enforca, com o auxílio tácito de seus títeres em suas vestes negras, é de um impacto cênico indescritível, quase como um filme de Paradjanov. Imperdível.
Comentários