El bonaerense
El Bonaerense
De Pablo Trapero
Ccbb, sex 19hs
***
Esse “novo cinema argentino” (ai que nome horrendo!) realmente impressiona pela maturidade com que trabalha os elementos de linguagem e uma visão renovada (antididática, etc) da dramaturgia. El bonaerense tem muito em comum com O Pântano, em seu desejo de linguagem, em seu desejo insano de falar de uma Argentina sem os cacoetes totalizantes, pelo tom semidocumental, pelo caos que se instala em um ambiente fechado, pela recusa da psicologia simples, etc, etc. Mas o que me seduz nesse El Bonaerense é como o filme trata de uma questão muito íntima e próxima de mim: a ilusão de poder, ou como as instituições, as estruturas da sociedade quebram uma inocência. O protagonista do filme (assim como o guarda de O Posto) é levado pelas circunstâncias a perpetuar uma estrutura de poder perversa, desumana, muito maior que ele, que o envolve, sem que ele possa se dar conta. E mais: o filme faz isso sem deixar a sua dimensão humana, individual, sem fazê-lo mera vítima das circunstâncias, sem tratá-lo como um boneco. A cena no natal quando os fogos de artifício são costurados com tiros para o alto, a cena em que o policial mata a sangue-frio por uma coisa à-toa, a grande cena em que o chefe diz para seu empregado (“confia em mim”), mostram que Trapero sabe fazer cinema. Eu que vivi três anos no regime militar senti muito a barra do filme, revivi muita coisa que já havia me esquecido, e talvez por isso minha impressão tenha sido até mais viva. Muita coisa me emocionou, talvez a maior delas é quando o agora cabo volta para casa, e na mesa de jantar com sua família, a câmera faz o mesmo movimento na mesa de natal, com os policiais de serviço. Essa analogia visual é uma das partes mais duras do filme: um carinho bruto mas necessário – a família louva e elogia a “ascensão” do filho “que deu certo”. O lugar ao sol do cabo manco é de uma luz dura, contra a lente da câmera. O lugar ao sol possível na Argentina possível, retalhada, mutilada, descozida. Um plano crítico e carinhoso. Belo filme.
De Pablo Trapero
Ccbb, sex 19hs
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Esse “novo cinema argentino” (ai que nome horrendo!) realmente impressiona pela maturidade com que trabalha os elementos de linguagem e uma visão renovada (antididática, etc) da dramaturgia. El bonaerense tem muito em comum com O Pântano, em seu desejo de linguagem, em seu desejo insano de falar de uma Argentina sem os cacoetes totalizantes, pelo tom semidocumental, pelo caos que se instala em um ambiente fechado, pela recusa da psicologia simples, etc, etc. Mas o que me seduz nesse El Bonaerense é como o filme trata de uma questão muito íntima e próxima de mim: a ilusão de poder, ou como as instituições, as estruturas da sociedade quebram uma inocência. O protagonista do filme (assim como o guarda de O Posto) é levado pelas circunstâncias a perpetuar uma estrutura de poder perversa, desumana, muito maior que ele, que o envolve, sem que ele possa se dar conta. E mais: o filme faz isso sem deixar a sua dimensão humana, individual, sem fazê-lo mera vítima das circunstâncias, sem tratá-lo como um boneco. A cena no natal quando os fogos de artifício são costurados com tiros para o alto, a cena em que o policial mata a sangue-frio por uma coisa à-toa, a grande cena em que o chefe diz para seu empregado (“confia em mim”), mostram que Trapero sabe fazer cinema. Eu que vivi três anos no regime militar senti muito a barra do filme, revivi muita coisa que já havia me esquecido, e talvez por isso minha impressão tenha sido até mais viva. Muita coisa me emocionou, talvez a maior delas é quando o agora cabo volta para casa, e na mesa de jantar com sua família, a câmera faz o mesmo movimento na mesa de natal, com os policiais de serviço. Essa analogia visual é uma das partes mais duras do filme: um carinho bruto mas necessário – a família louva e elogia a “ascensão” do filho “que deu certo”. O lugar ao sol do cabo manco é de uma luz dura, contra a lente da câmera. O lugar ao sol possível na Argentina possível, retalhada, mutilada, descozida. Um plano crítico e carinhoso. Belo filme.
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