A morte da obra de arte

O cúmulo da ilusão romântica no processo artístico é acreditar na imortalidade da obra de arte. Isto é, o artista daqui a alguns anos morre, porque é um ser, mas “sua obra permanece imortal, na mente e nos corações de todas as gerações que o seguirão, que poderão admirar o vigor, a sensibilidade e a força de sua criação”. Isso é uma bobagem, porque a própria obra de arte é processo material, tangível, concreto, finito, e, portanto, tão mortal quanto o artista. E disso nem falo na circunstância que uma obra pode se transformar com o tempo, já que são outros os olhares que se debruçam sobre a obra. Estou falando da obra como produto material concreto. Os restauradores, como os médicos, ficam nessa tarefa de Sísifo, heróica, tentando adiar o inevitável, que é uma das tarefas mais louváveis da vida: tentar adiar, evitar a morte. Mas a morte é inevitável, e a morte atinge tudo o que é fisicamente concreto e finito, inclusive a obra de arte. Há um samba da Unidos da Tijuca que tem um refrão maravilhoso que diz “Que maravilha, que beleza tão singela..... Que grande arte mas caindo se esfacela....”, que com grande sabedoria e poder de síntese cristaliza tudo o que se pode dizer sobre o assunto. O vaso se quebra; o livro, as traças comem; a película se deteriora (como com grande sabedoria Monte Hellman assinalou no final de Corrida Sem Fim...): a arte é tão putrefata quanto o corpo de seus artistas. Resta-nos, ainda, a esperança do espírito, que é incorpóreo e infinito: a arte é viva, e mais que apenas objeto de deleite, empurra o desejo de outros artistas (e dos admiradores da arte, por que não?) a criarem mais, a desejarem mais, a refletirem mais. Só assim a arte não morre, mas se transforma, revive, renasce.

Comentários

Anônimo disse…
Então Ikeda, o que você está dizendo é que "na arte na se cria, nada se perde, tudo se transforma", é isso? :-)

Um abraço,

Bruno Amato Reame

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