É melhor ser rico e saudável do que pobre e doente


É melhor ser rico e saudável do que pobre e doente
Juraj Jakubisko, Eslováquia, 1992
** (talvez ***)

Jakubisko (ah, esses vces não conhecem...) começou a fazer filmes na nouvelle vague tcheca (estudou na FAMU), ficou mais de uma década sem filmar, e voltou nos anos 90. Passou na Mostra Européia um filme de título bem interessante (Um relatório ambíguo sobre o final do mundo), que parece que é o filme mais caro da história do cinema tcheco.

Há filmes que se aventuram pelo mundo dos sonhos; outros, que preferem o mundo real, mas o que fazer se a nossa vida do dia-a-dia está sempre tão cheia de sonhos?? O que encanta nesse irregular filme de Jakubisko é essa corda-bamba, o despojamento e a liberdade de sua visão de cinema, esse seu “imiscuir-se” (o termo é esse...) de suas personagens marginais com ternura e encanto, é descortinar o cinema como uma janela dos sonhos e como abismo da crua realidade. Puramente cinematográfico, Jakubisko passeia por um cinema dos anos noventa completamente estilhaçado, em que a grande quimera é sobreviver.

A história é de duas mulheres abandonadas por seus homens, uma delas que desiste de um famoso político eslovaco, e tentam ganhar a vida na Eslováquia pós-fim do comunismo, início do capitalismo. Elas fazem trapaças, negócios escusam, roubam, prostituem-se (ou quase isso), mas o filme é leve e de ótimo bom humor.

A história é o de menos, apesar de o filme ser narrativo. O que encanta é a capacidade de Jakubisko de se metamorfosear através de mil histórias, são os pulos narrativos, é o filme em espiral, num ritmo alucinante, no domínio do corte seco pulando para outro espaço, outro tempo. Mal comparando, pode até lembrar de Guel Arraes, mas aqui é menos esquemático, mais livre, e tbem beeem mais político. A política, a necessidade e o descontentamento com o fim do comunismo e o início do capitalismo estão o tempo todo presentes no filme, mas o filme é quase um avesso do “filme político”, já que nada é didático ou simbólico )o que seria ainda pior). O “passeio” das duas mulheres entre a Rep Checa e a Eslováquia é muito mais contundente que a viagem carola de um Central do Brasil ou a descoberta de um Che no Diários da Motocicleta. Aqui, por trás do humor de Jakubisko, o “espelho partido” de um país e de um regime são vistos de forma muito mais visceral e orgânica.

A profusão do corte, o tom de delírio, às vezes chegando a cair praticamente num realismo fantástico, a brincadeira ambígua com a própria estética televisiva (a tela vira uma Tv, a trilha melosa...), o despojamento da vida das personagens que vivem de seus momentos, tudo isso descortina um desejo insano de Jakubisko pelo básico do cinema: que ele desperte nossas paixões, que ele nos conte histórias  e histórias de vidas, que ele nos entretenha, que ele tenha um pé na realidade... que ele mostre um olhar do realizador. Este pequeno filme eslovaco me surpreendeu nesse viço, nesse desejo de estar filmando, me trouxe, pelo menos durante uns 100 minutos, um prazer muito improvável para minha vida pessoal (ou seja, que inveja!!!), e no resto desse meu dia fiquei pensando como a vida poderia ser boa se eu tivesse um pouco da coragem e da generosidade dessas pobres mulheres enganadas pela vida e pelos homens, e que são felizes (mesmo) assim.

O título vira uma declaração de princípios do cinema enérgico de Jakubisko.


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