A traveler´s need / Yeohaengjaui Pilyo
As aventuras de uma francesa na Coreia
Hong Sang-soo
Há uma espécie de piada-ditado
que diz que o sucesso de um cineasta no celeiro das vaidades de Hollywood é que
o orçamento de seu filme seguinte deve ser sempre mais caro que o anterior. Os
valores de produção, a complexidade da mise en scène, são esses os elementos
que corroboram o status de um realizador em torno de um caminho de progressão,
desenvolvimento e sucesso.
Vira mesmo uma piada quando
acompanhamos a trajetória do cinema de Hong Sang-soo. Nos seus filmes dos
últimos anos, ele tem entrado numa espiral crescente de um minimalismo que aqui
quase chega a um paroxismo. Sang Soo tem ingressado, cada vez mais, num caminho
de contenção – um certo minimalismo que retirar todo e qualquer espalhafato
para se ater somente ao essencial do seu cinema. Uma espécie de um movimento
busdista-franciscano rs. É curioso utilizar essa palavra “essencial” porque o
essencial, para Song Soo, está justamente no que poderia parecer a “borda”. O
essencial da vida – e do cinema – está justamente em se deixar levar por sua
condição de “eterna imanência”, e sorver, de forma radical, a potência do
instante – sem passado, sem futuro – apenas “estar ali”, nada mais. Nada mais
contemporâneo, nada mais filosófico, nada mais político – um modo de ser, ou
melhor, de estar no mundo. (Para mais sobre esse movimento nos recentes filmes de HSS, ver aqui)
A protagonista desse filme de
Sang Soo é uma professora amadora. E é também uma viajante. Ao mesmo tempo, não
é ninguém menos que Isabelle Huppert rs. A palavra amadora quando me refiro a
Huppert ilustra alguns desses paroxismos, de que eu falava antes. Amadora, amador.
Song Soo filma quase como um cineasta amador. Ao mesmo tempo, esse suposto
amadorismo é um estilo cuidadosamente maturado ao longo de décadas. Um mestre,
como aqueles dos manuais budistas de séculos atrás, mas que, em vez de se
retirar em templos longínquos, caminha e se embriaga pela urbana Seul. A
professora amadora que engendra um método para aprender uma outra língua – e que
surge de situações da vida...
As situações se repetem com uma
ou outra aluna. As estruturas formais se desfolham e se repetem de outra forma –
um jogo formal, como boa parte dos filmes de Sang Soo. Uma leveza prosaica cotidiana.
Poemas espalhados ao longo da cidade. Essa enorme leveza combinada a um jogo
formal de regras próprias. Um filme sobre a linguagem: esse filme poderia ser
comparado a um fime de Rohmer. Os personagens se esforçam para se comunicar em
outra língua: nem o coreano nem o francês, mas o inglês – essa língua universal
que também é a língua do cinema. No fundo, o que se passa no interior dos
personagens quando eles tocam um instrumento? Não se sabe, não se consegue
acessar.
As aventuras... também pode ser
visto como um filme sobre a procura de
um lar. Não importa porque ou até quando Huppert vai continuar na Coreia. Ela é
uma viajante amadora que não só trabalha eventualmente para ganhar dinheiro
para se manter, mas que usa seu trabalho como forma de conhecer pessoas e de
ter experiências. Mekas dizia que o fato de ele andar com uma bolex no pescoço
foi a sua forma de socialização com o ambiente artístico do pós-guerra nos
Estados Unidos, uma vez que ele não falava inglês. Os desafios da comunicação
de um estrangeiro que tenta imergir em outros modos de ser.
Mas voltemos ao paroxismo. A
trajetória de Sang Soo parece chegar quase a um limite, quase a um beco sem
saída. Nesse filme (como em Introduction, como em alguns outros), ele faz
direção, roteiro, fotografia e montagem. Só falta ele ser ator de si mesmo rs.
O que nos remete a algo muito caro para mim desde o primeiro “cinema de garagem”:
os modos de produção também são modos de ser. A pobreza franciscano-budista do
modo de produção de Sang Soo, ou seja, sua depuração, não é apenas estética mas
também econômica. Assim como a personagem de Huppert, Sang Soo vive com pouco,
filma com pouco, mas é o suficiente para ele, para que mais? Essa é a política
dos últimos filmes de Sang Soo (e seu paroxismo): ainda que totalmente imerso
no coração da indústria mundial do cinema de autor, ainda que todos os
elementos acima sejam vistos como meros recursos que demarcam o “estilo de um
autor”, ainda que utilize todas as vantagens do star system de Huppert e do
modelo de festivais, Sang Soo misteriosamente – e quase milagrosamente – não se deixa capturar por eles, e continua
depurando cada vez mais, reduzindo cada vez mais. Até quando não se sabe,
porque seu minimalismo parece apontar para uma espécie de beco sem saída – para
o tal paroxismo que busco tentar definir, em vão. Talvez essa minha análise seja
apenas o medo do fim, seja a necessidade do crítico de apontar para ciclos e
tendências. No fundo, não importa: enquanto dura, o caminho de Sang Soo é belo,
e ele pode fazer uma pequena obra-prima como um filme prosaico, leve, livre,
louco e sereno, tão perto e tão distante de tudo o que vivemos. A leveza desses
filmes e seu “sucesso” é quase assustadora: ao mesmo tempo, nos abre um enorme
rol de possibilidades. Sang Soo é um “autor sem órgãos”.
Comentários