[TIRADENTES2025] RESUMO DA ÓPERA
[COBERTURA DA 28a MOSTRA DE TIRADENTES 2025]
RESUMO DA ÓPERA
de Breno de Lacerda e Honório Felix
Resumo da ópera inicialmente surge como um espetáculo de teatro. Em
decorrência da pandemia e com recursos da Lei Aldir Blanc, surgiu um desejo de
diálogo entre duas companhias de teatro cearense: No barraco da Constância tem!
e Teatro Máquina. O espetáculo Ning foi
concebido para ser produzido, ensaiado e estreado no Theatro José de Alencar,
em Fortaleza. A partir de então, houve o desejo de transformá-lo em um
longa-metragem. Depois das filmagens, a parceria com a produtora Marrevolto foi
fundamental para todos os processos de pós-produção.
Eis então uma parceria entre
teatro e cinema. No entanto, Resumo da
ópera leva esse diálogo entre as duas artes para outros patamares por não
propor uma mera transposição do palco para as telas. Nada de palco italiano ou
de teatro filmado. A inventividade ocorre por meio de uma “transcriação” –
utilizando a expressão dos irmãos Campos – que potencializa a dinâmica cênica
por instaurar uma potência cinética cinematográfica.
Resumo da ópera é uma fábula futurista, em que Ning tenta articular
uma revolta contra um imério cosmonauta. O que está em jogo é a liberdade do
indivíduo e o poder do coletivo diante da opressão do mundo do poder. Confesso
que não consegui mergulhar tanto no texto, uma vez que meus sentidos ficaram
totalmente preenchidos com a vertigem causada pela mise en scène. O texto
funcionou para mim mais como energia sonora emanada pelo elenco do que propriamente
pelo significado em si emanado pelo texto. De todo modo, a palavra, ainda que
como energia sonora, se converte em forte elemento cênico que preenche e
reverbera pelo espaço. A palavra vertigem
é adequada para expressar a profusão de sentidos resultante de uma experiência
eminentemente sensorial: não apenas pelo enorme balé da câmera, que sobe e
desce escadas, transita do plano geral ao detalhe, e chega a inclusive girar em
torno do próprio eixo, causando um torpor físico, mas também pela interação
entre as diversas linguagens, cinema, teatro, performance, música, artes
visuais. Sem dúvidas, para tanto, é fundamental o extraordinário trabalho da
câmera, operada por um dos diretores, Breno de Lacerda. Já no primeiro plano,
movimentos circulares de 360 graus já apresentam a dinâmica que caracteriza
todo o filme. Os planos sequência dominam o filme, com movimentos incessantes
que atuam na produção de uma experiência sensorial única, e que nesse sentido afasta
o filme de uma experiência teatral. Ou seja, teatro e audiovisual se fundem
para produzir uma outra coisa, que não é bem teatro e também não é bem cinema, tornando
a obra um corpo estranho que talvez seja mais próxima das artes visuais.
Resumo da ópera se passa num espaço fechado, o centenário Theatro José
de Alencar (TJA). O filme percorre, de forma criativa, toda a arquitetura do
teatro, envolvendo não apenas o palco principal, mas as cadeiras da plateia, as
coxias, os corredores, as escadas, o hall de entrada e todos os demais espaços
possíveis, do chão ao teto. É possível também ver Resumo da ópera como um mergulho pelas entranhas da arquitetura do
teatro como organismo vivo, e é louvável como o espaço cênico é desmontado ao
longo do filme. Passado em uma única locação interna, que funciona como umm
estúdio, curiosamente é possível aproximar Resumo
de Girassol Vermelho, de Éder Santos,
exibido na abertura. Ambos os filmes estão menos preocupados em instaurar uma
dramaturgia de roteiro mas preferem instaurar ambiências provocadas pela
relação entre imagem e som. Ambos são fábulas futuristas totalmente não
realistas que incorporam aspectos de outras esferas artísticas para propor uma
fábula política sobre a liberdade diante de um regime de opressão – daí sua
atualidade. Mas enquanto Girassol
vermelho concentrava-se na identificação com um personagem oprimido (Chico
Diaz), em Resumo da ópera o movimento
é coletivo, que se relaciona, em última instância, com a própria dinâmica da
composição dos coletivos teatrais. Ainda, se em Girassol vermelho filma-se em um estúdio, construído a partir de
uma cenografia, já em Resumo trata-se
do próprio TJA, visto como uma locação, que inclusive guarda marcas históricas
em sua arquitetura.
Se a proposta da curadoria deste
ano de Tiradentes é investigar “que cinema é esse?”, Resumo da ópera contribui ao explorar a relação do audiovisual com
outros processos artísticos, resultando em uma experiência sensorial
fascinante, um corpo híbrido que promove outras conexões do campo audiovisual.
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