[TIRADENTES2025] BATGUANO RETURNS
[COBERTURA DA 28a MOSTRA DE TIRADENTES 2025]
BATGUANO RETURNS – ROBEN NA ESTRADA
de Tavinho Teixeira
Batguano Returns é um curioso caso de
sequel dentro do cinema independente brasileiro. Os sequels são parte da
consolidação de marcas e universos mais associados ao cinema de estúdio. Lembro
de raros casos, como o de Boleiros 2 (2006)
ou Estômago 2 (2024). No caso de Batguano, a continuação é ainda mais
inusitada, pois pensamos: o que pode vir depois de Batguano rs?
O
indefectível casal Batman e Robin é retomado num cenário pós-apocalíptico com
um elemento que motiva o retorno: o enclausuramento devido ao surto da
COVID-19. É curioso pensamos que Batguano
1 é um filme em que os dois personagens estão num cenário encalusurado,
presos em sua própria casa, num regime de exceção. As analogias com Batguano 2 surgem a partir daí, mas ao
mesmo tempo, grande parte do filme opera num deslocamento: Barguano 2, como seu próprio subtítulo afirma, é um road movie, em
que Robin (Tavinho Teixeira) passa quase todo o tempo na estrada. Para onde ele
vai? O que busca? Não sabemos. Batman (Everaldo Pontes) surge, então, quase
como uma presença espectral, um fantasma que ao mesmo tempo é quase um robô de
inteligência artificial, que Roben não pode mais ignorar. Batman atua pela voz,
uma presença fantasmática descorporizada que tenta tragar Roben para o mundo do
capital, a institucionalização do pragmatismo. Batman não é mais um corpo, mas
talvez um robô de IA. Roben no fundo embarca na estrada para tentar fugir, mas
a voz é onipresente, e dela parece não have saída possível.
Nessas cenas dentro do carro, Batguano 2 parece ser um filme ceseiro
experimental. A princípio, a comédia parece ser ainda mais rasgada, com Roben
sempre ao volante em meio a monólogos ou em conversas com Batman. Mas aí surge
um elemento radicalmente oposto que desloca essa camada de irreverência: recebemos
a informação de que o diretor Tavinho Teixeira perdeu os pais (tanto a mãe
quanto o pai falaceram num intervalo de tempo de 24h) em decorrência da
COVID-19. Assim, Batguano torna-se um filme de estrada de expurgo, em que Tavinho
(ator-personagem-diretor) reflete sobre a influência dos pais em sua vida, em
termos de sua relação de afetividade mas também de recusa desse universo,
especialmente no que tange à aceitação de sua sexualidade. Apesar de os amar,
Tavinho desfia suas angústias em relação às suas diferenças, em se aceitar gay
e artista, ao preferir fazer poesia do que empunhar uma arma. É comovente como
Tavinho expressa seu conflito geracional em um filme carregado com tantas
tintas de irreverência. É essa combinação bem particular entre o foro íntimo
familiar e a irreverente fábula política que fazem de Batguano 2 uma
experiência bastante singular.
Roben não quer se vender, quer
ser apenas ele mesmo. Tenta fugir da influência do universo dos pais para
seguir seu próprio caminho. Tenta se desvencilhar das pressões de Batman em
tragá-lo para o rumo do poder e do capital. Na estrada, sozinho, Tavinho tenta
prosseguir, mas parece tender ao fracasso. Roben no fundo precisa se libertar dos
pais e de Batman para poder prosseguir. Mas sem eles acaba miserável. Ao final,
ficamos com a sensação de que ele se rendeu ao inevitável apelo de Batman. A
casa encapsulada, quase como a redoma de vidro de Rosebud, é atirada para fora
da casa-carro na estrada. Triturados os sonhos de infância por um governo
homicida, Batguano 2 me pareceu, por
trás de sua irreverência escrachada, um filme profundamente pessoal, uma viagem
íntima de expurgação do luto – e um retrato honesto dos limites de uma geração
à deriva, entre seus dilemas pessoais e um mundo cada vez mais materialista aparentemente
indiferente.
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