[TIRADENTES2025] KICKFLIP
[COBERTURA DA 28a MOSTRA DE TIRADENTES 2025]
KICKFLIP
de Lucca Filippin
A exibição de Kickflip na Mostra de Tiradentes já
começou com a bela apresentação do diretor no palco do Cine-Tenda antes de
começar o filme: Kickflip ...... é uma manobra de skate!”. Por trás da
literalidade da definição do dicionário, surge uma poética inesperada de pensar
um filme como uma manobra, algo que rodopia no ar. Além disso, a
performatividade dessa apresentação se expressou pela longa pausa após o título.
Afinal, o que é Kickflip? “Que cinema
é esse?”
No debate no Cine-Teatro no dia
seguinte à apresentação, os dois debatedores, Bernardo Oliveira e Alana Falcão,
mesmo com todo o seu conhecimento e experiência, tiveram dificuldade de adentrar
no filme. Quando surgiram as intervenções dos membros do Júri Jovem, parece que
o debate saiu de um engarrafamento e deslanchou. Esses impasses sinalizam para
a dificuldade de abordar um filme tão original e, ao mesmo tempo, uma lacuna
geracional: Kickflip é sobretudo um
filme jovem.
O próprio diretor fez questão de
não aderir às tendências de alinhamento com um cinema independente
norte-americano, aos moldes de um Korine, Clark ou mesmo o Paranoid Park (2007) de Gus van Sant. Preferiu alinhar seu filme
com a cultura das redes, com os vlogs e o universo virtual. E quando fez
referência a uma tradição cinematográfica, preferiu se remeter ao primeiro
cinema e seu cinema das atrações. Afirmou que seu filme estava mais próximo do vaudeville do que das sketches. Nesses momentos, o ultrajovem
Filippin mostrou seu repertório e que seu filme indiscutivelmente possui um
pensamento cinematográfico sofisticado e refinado. Ainda, negou veementemente
que seu filme expressava um americanismo deslumbrado mas o inseriu dentro de
uma cultura do interior de São Paulo, do desafio de transformar o estacionamento
do McDonald´s em um lar, e em como é inevitável que um imaginário jovem seja
contaminado com esses arquétipos estrangeiros, mas levando-os para outro lugar.
Kickflip, a meu ver, expande uma trajetória do cinema brasileiro
contemporâneo com uma abordagem orginal, reunindo fragmentos que jogam luz para
uma afetividade precária, em torno dos modos de ser de uma juventude que busca
seu lugar no mundo, em torno da formação de uma comunidade que se estrutura por
laços de amizade instável. No entanto, aqui não há caminho a seguir como em Estrada para Ythaca (2010) – filme do
Coletivo Alumbramento que causou sensação na mesma Mostra Aurora há 15 anos
atrás –, mas a busca de viver a vida em seu momento presente, nada mais. Quando
não há uma tradição de passado e um projeto de futuro, devemos ir ao presente,
porque é o que temos. Assim, o filme se instaura entre uma dialógica de certa
melancolia, expressa sobretudo nos vazios das amplas paisagens que funcionam
como ruínas, em que os personagens tentam fazer a manobra que nunca se realiza,
até que o skate se quebra, e, de outro lado, os interiores das casas em que os
personagens convivem. Dialógica que se amplia entre o mundo concreto da manobra
de skate e o universo das comunidades virtuais que também funcionam como elo de
pertencimento e descobertas. Kickflip
pode ser visto como o fracasso dessa manobra que nunca se realiza, mas também
como o próprio processo de buscar um movimento, um giro em torno do corpo, uma
tentativa de mover-se. Repetir, repetir, até que algo inesperado possa surgir a
partir disso. Alguma fagulha, um elemento de criação, ou mesmo algum movimento
para escapar do tédio. Um filme tremendamente jovem, contaminado pelo mundo
(virtual e real), que expressa de forma bastante original os desafios de uma
juventude em prosseguir vivendo e criando, ainda assim.
Kickflip e Um minuto... (ver aqui, filme
de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, exibido na Mostra Aurora há poucos
dias) são dois filmes que se utilizam de imagens precárias para expressar as
angústias de personagens que tentam encontrar seu lugar no mundo. Para isso,
ambos utilizam recursos de montagem que fogem das dramaturgias de teleologia e
roteiro, mas que são fundados numa aposta radical de mergulhar no processo de
filmagem, e expressam seu discurso por outra lógica de organização das imagens
e sons que foge das estruturas mais convencionais de montagem, evitando
qualquer vestígio de progressão dramática ou de blocagem. Geram um
estranhamento porque esses filmes não “progridem” mas seu movimento obedece a
uma lógica interna mais difusa, mais irregular, mais precária, e, por isso,
mais desafiadora e sobretudo coerente com seu universo interno.
Comentários